Alô, bateria! Alô, escola! Chegou a hora! Os carros alegóricos já estão a postos na concentração. Os foliões exibem fantasias coloridas e brilhantes, e o samba-enredo está na ponta da língua. Comissão de frente, mestre-sala, porta-bandeira… todos prontos para o desfile começar. E, por trás de cada detalhe e alegoria, está uma figura que une todos esses componentes: o/a carnavalesco/a!
É ele, ou ela, que responde pela área criativa da escola de samba. Propõe o enredo, isto é, o tema que será abordado naquele ano, e transforma a ideia em realidade. Mas nem tudo é purpurina: são meses de trabalho e dedicação para chegar ao que vemos na avenida! E quem nos conta o passo a passo no barracão é Tarcísio Zanon, carnavalesco da Viradouro, escola do município de Niterói, no Rio de Janeiro.
Mal acaba um desfile, o carnavalesco ou a carnavalesca já está pensando no do ano seguinte. Isso mesmo! Os dias de folga depois da festa acabam servindo para pensar no próximo tema… Logo depois, já entrega opções de enredos para a direção da escola. Assim que um tema é escolhido, o/a carnavalesco/a produz uma sinopse, quer dizer, um texto que resume a ideia, e ele vira base para os compositores criarem o samba para o desfile.
Ao mesmo tempo, o barracão começa a ferver: é lá que são preparados os carros alegóricos, as fantasias e cada adereço que vai para a avenida. Tudo a partir de protótipos, desenhos e referências passadas pelo/a carnavalesco/a. Mas claro que ele/a não faz isso sozinho/a. Há toda uma equipe – projetistas, designers, costureira, aderecista, ferreiro, escultor, modelista… – que entra em ação para que a criação saia como o/a carnavalesco/a idealizou.
E de onde vem a inspiração? Tarcísio explica que isso varia muito de ano para ano, e de escola para escola. Ele apresenta à escola três ideias de temas, que passam por uma espécie de banca examinadora. “Tem que ser um tema que combine com a identidade da escola. A Viradouro, por exemplo, assume muito bem o papel de trazer à tona temas femininos, histórias de
mulheres. Busco também que sejam sempre temas de relevância cultural e histórica”, conta ele. Em 2023, o enredo da escola será sobre Rosa Egipcíaca, uma mulher negra, escravizada, escritora, que já foi chamada de bruxa no século 18 e acabou reconhecida como santa africana no Brasil.
Muitos outros assuntos já viraram samba: personagens e fatos históricos, cidades, países… Mesmo o tema mais abstrato pode ser levado à avenida. Tarcísio brinca que é preciso “carnavalizar” o enredo. A arte está em traduzir visualmente a história que se quer contar. Uma história que precisa ser captada pelo público – e pelos jurados do desfile!
Por trás de conseguir fazer isso bem, há muito estudo. “O caminho é sempre de estudos relacionados à arte. Não existe curso específico de formação de carnavalesco, mas há pós-graduações e cursos complementares que levam a esse ofício”, diz Tarcísio. Ler de tudo, de referências de carnavais antigos a temas de cultura geral, também ajuda. E, na vivência do dia a dia do carnaval, também se aprende muito.
A família de Tarcísio, que é de Cantagalo, no interior do estado do Rio de Janeiro, fornecia chapéus para o carnaval carioca. “Via minha mãe trançando palha, costurando chapéus. Esse imaginário carnavalesco, da produção do carnaval, permeou minha infância”, lembra ele, que, aos 9 anos, já pintava e fazia fantasias.
Mais tarde, Tarcísio estudou design gráfico, mas queria aplicar no carnaval o que tinha aprendido. Foi depois de uma pós-graduação em figurino que a coisa avançou. Ele conseguiu estágio em outra escola, a Estácio de Sá, e a carreira deslanchou. No ano seguinte, já como carnavalesco, ganhou o carnaval, e a escola subiu do grupo de acesso ao grupo especial. Alguns anos depois, veio o convite da Viradouro – e mais um título do carnaval!
Ao longo de todo esse tempo, o carnaval na avenida já mudou muito. No passado, a comissão de frente era um quesito importantíssimo para conferir pontos à escola. Hoje, com uma nova geração de artistas, Tarcísio afirma que o enredo é o que mais pesa.
“Fico muito feliz por isso, porque podemos trazer informação, dialogar sobre os problemas da atualidade. O carnaval vive uma boa fase de temas relevantes, que não são apenas brincalhões ou felizes. Tem que ter uma importância cultural. Tem que transformar realmente as pessoas”, conta. E o carnaval não é sobre isso?
Elisa Martins
Jornalista | Especial para Ciência Hoje das Crianças
Matéria publicada em 24.01.2023