Com frequência, as descobertas feitas pela ciência partem de alguma curiosidade. Quer um exemplo? Em um livro publicado no ano de 1715, registrou-se uma coisa curiosa: se pegarmos a distância média da Terra ao Sol e a dividirmos em dez partes, a distância do primeiro planeta, Mercúrio, ao astro-rei seria de 4 destas partes; o segundo planeta, Vênus, ficaria a 7 destas partes de distância (4 + 3); a Terra, a 10 (4 + 6) partes; Marte, a 16 (4 + 12) partes; Júpiter, a 52 (4 + 48) partes; e Saturno, a 100 (4 + 96) destas partes. Notou alguma coisa “escondida” nestes números? Vamos investigar.
A partir do segundo planeta, o número que somamos com 4 vai duplicando. Começa com 3 para Vênus, 6 para a Terra, 12 para Marte, 24 para… (Opa! Não tinha nada no 24, mas discutiremos isso depois); 48 para Júpiter, e 96 para Saturno. Parece haver uma regra, não? Bom, se não fosse pelo “buraco” entre Marte e Júpiter, esta regra funcionaria muito bem.
Apesar desse buraco, o desenvolvimento de uma fórmula para expressar essas distâncias foi feito 50 anos depois por dois astrônomos alemães, Johann Daniel Titius e Johann Elert Bode. A fórmula ficou conhecida como Lei de Titius-Bode. A expectativa era que o cálculo proposto pelos dois astrônomos permitisse descobrir a posição de novos planetas. E – pimba! – deu certo para calcular a posição do planeta seguinte, Urano, que foi descoberto apenas em 1781.
Naquele buraco entre Marte e Júpiter, somente décadas depois se descobriu ser o local onde reside o planeta-anão Ceres, o maior dos corpos presentes neste local, conhecido como cinturão de asteroides. Por ter funcionado tão bem, muita gente por muito tempo acreditou que a Lei de Titius-Bode era realmente uma “lei da ciência”.
Mas aí vieram as descobertas do planeta seguinte, Netuno, em 1846, e, logo depois, Plutão (na época, considerado um planeta e, hoje, planeta-anão), em 1930. Elas desbancaram a regra, porque esses dois planetas estão a distâncias muito diferentes do que o cálculo previa. Que tristeza!
Mas não há nada que dois astrônomos façam que uma matemática não possa acrescentar. Afinal, aprendemos que ciência se faz em colaboração! Assim, em 1913, a especialista em matemática e astrônoma Mary Adele Blagg publicou um artigo apresentando a fórmula de uma forma bem mais trabalhada, prevendo muito melhor a distância de todos os planetas conhecidos e de até alguns satélites! Infelizmente, seu trabalho, provavelmente por ser uma mulher (você lembra da história da Marie Tharp, né?), foi ignorado por 40 anos. Até que Archie Edmiston Roy, professor de Astronomia da Universidade de Glasgow, se deparou com o artigo enquanto trabalhava em uma pesquisa.
Agora, conta pra gente: você consegue fazer a conta e descobrir qual seria o valor aproximado da distância de Urano ao Sol?
Eder Molina
Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas
Universidade de São Paulo
Sou paulista, e já nem lembro quando nasci… Sempre fui curioso sobre o porquê das coisas, e desde criança tinha meu clubinho da ciência. Hoje sou professor de Geofísica e continuo xereta e buscando aprender muitas coisas, principalmente sobre a Terra e o Sistema Solar.
Matéria publicada em 29.04.2024
Ana, aluna do Ranieri
Olá CHC!!! Eu achei sua reportagem muito interessante, pois gosto muito de Matemática e Astronomia, unir as duas coisas foi bem divertido.Respondendo sua pergunta, acho que usando a técnica falada por vocês, o valor de Urano ao Sol seria aproximadamente 10000 km. Espero encontrar mais reportagens como essa. Obrigada pela atenção!!!
Eder Molina
Oi, Ana, tudo bem? Agradecemos por teu comentário, bem legal! 🙂
Quanto ao cálculo, tem alguma coisa que ainda não permitiu chegar no resultado correto. Que tal escrever para a gente por email para discutirmos o assunto?
Profa. Cyntia
Essa matéria é muito importante. Vou apresentar aos meus alunos. Parabéns!
Eder Molina
Obrigado, professora Cyntia! Mande pra nós as respostas que conseguir, por favor! 🙂