César Lattes: um cientista brasileiro de sucesso mundial

Em 11 de julho de 1924, na cidade de Curitiba, Paraná, nascia um dos mais importantes cientistas brasileiros: Cesare Mansueto Giulio Lattes ou César Lattes, como ficou conhecido mundialmente. Suas pesquisas foram de fundamental importância para entendermos como funcionam e o que existe dentro dos átomos, partículas minúsculas que formam todas as coisas que conhecemos! Essas descobertas foram feitas com muito trabalho em equipe e criatividade, e quase (quase!) lhe renderam o mais importante prêmio em sua área, o Nobel de Física.

Ilustração Walter Vasconcelos/Foto Arquivo Nacional

César Lattes fez o Ensino Médio no Colégio Dante Alighieri, em São Paulo, entre 1934 e 1938 (dos 10 aos 14 anos de idade). Mas foi por causa do seu pai, que era gerente de um banco, que ele teve a oportunidade de conhecer, ainda na adolescência, o físico de origem russa e naturalizado italiano Gleb Wataghin, que futuramente iria orientar seus estudos. Wataghin veio para o Brasil criar laboratórios de Física na recém-criada Faculdade de Ciências e Letras, que seria um dos núcleos da Universidade de São Paulo.

O jovem Lattes concluiu o curso de Física na Universidade de São Paulo em 1943, com apenas 19 anos de idade. Mas foi durante a faculdade que conheceu o físico italiano Giuseppe Occhialini, que tinha vindo para o Brasil por intermédio de Gleb Wataghin. Occhialini estava interessado em estudar os chamados raios cósmicos, partículas que têm origem no Sol e em outros pontos da nossa galáxia e chegam à Terra com altíssimas energias – podendo, por exemplo, atravessar facilmente vários centímetros de chumbo. Curiosamente, quando essas partículas se chocam com a camada de gases que envolve a Terra, a atmosfera, criam-se novas partículas – as que César Lattes iria detectar. Mas vamos por partes…

Raios, bomba e pulga atrás da orelha

Na década de 1930, a Física Nuclear, área que estuda o núcleo do átomo, estava em grande desenvolvimento. Naquela época, foi descoberto que, ao se partir o núcleo atômico (em outras palavras, ao se provocar uma fissão nuclear) poderia se obter grandes quantidades de energia – procedimento que, na década seguinte, levou ao desenvolvimento da bomba atômica. Mas o que se pretendia com a fissão nuclear não era criar bombas, e sim entender como os átomos se mantêm em equilíbrio. Como assim? Essa é uma boa pergunta!

Já se sabia que os átomos não eram a menor parte formadora de todas as coisas, ou melhor, da matéria. Isso porque as partículas que formam os átomos são ainda menores do que eles. E que partículas seriam essas? Os prótons (partículas de carga elétrica positiva), os nêutrons (partículas sem carga elétrica) e os elétrons (partículas de carga elétrica negativa).

No núcleo do átomo ficam os prótons e os nêutrons, enquanto os elétrons giram ao redor dele. Já ouviu falar que partículas de cargas iguais se afastam, enquanto partículas de cargas opostas se atraem? Pois essa é uma verdade científica. Mas, sendo isso verdade, como os prótons, com a mesma carga positiva, se mantêm juntos dentro do núcleo dos átomos? Era esse equilíbrio que colocava uma pulga atrás da orelha dos físicos.

Uma nova partícula?

Foi o físico japonês Hideki Yukama que, em 1935, imaginou que deveria existir outra partícula dentro do átomo, que deveria funcionar como uma “cola” no núcleo, impedindo que os prótons se afastassem uns dos outros. Essa partícula imaginada com função de união foi chamada de méson pi (ou píon). Acontece que, na ciência, qualquer hipótese precisa ser comprovada para ser aceita. E é aí que o brasileiro César Lattes entra para fazer história!

Junto com seu professor Giuseppe Occhialini, Lattes e outros alunos começaram a construir um equipamento chamado câmara de Wilson. Ela foi construída para detectar raios cósmicos ou outras partículas vindas do espaço e que poderiam existir dentro do núcleo do átomo, como era o caso do méson pi. Mas, em 1942, o Brasil entrou na Segunda Guerra Mundial, e, dois anos depois, Occhialini teve que deixar o país e ir para a Inglaterra. Porém, César e seus colegas continuaram o trabalho.

Lattes tirou algumas fotografias que detectaram os caminhos de umas das partículas constituintes do átomo, os elétrons. Mas qual a origem desses elétrons? Tinham sido produzidos por raios cósmicos. Com esse resultado e outros avanços na pesquisa, Occhialini convidou Lattes para trabalhar com ele e seu chefe, Cecil Frank Powell, na Universidade de Bristol, na Inglaterra. Nessa época, o jovem cientista tinha apenas 22 anos.

Descoberta que veio do alto

Na Inglaterra, o trabalho de César Lattes foi aprimorar as emulsões – as misturas líquidas – usadas para revelar as imagens fotografadas. Ele teve a ideia de adicionar, por exemplo, o borax, comumente usado para limpeza de metais, além de detergentes, entre outras coisas. A introdução dessas substâncias fez com que os registros das trajetórias, ou caminhos, dos elétrons fossem vistos por mais tempo e com mais nitidez.

Com os resultados positivos que foram obtidos, o grupo começou a se dedicar a encontrar partículas que ninguém ainda tinha visto, como méson pi, proposto por Hideki Yukama. O passo a passo foi o seguinte…

Lattes e equipe seguiram investigando os raios cósmicos, e, como lugares altos são mais expostos a essa radiação, em 1946 Occhialini saiu de férias e foi esquiar numa famosa cadeia de montanhas, os Pirineus franceses. A pedido de Lattes, levou as placas fotográficas e emulsões com e sem borax. A três mil metros de altitude, conseguiram fazer as primeiras detecções, mas não chegaram a qualquer conclusão.

César Lattes, à direita, montando suas placas no monte Chacaltaya, a cerca de cinco mil metros de altitude, na Bolívia.
Foto Arquivo Central/Siarq-Unicamp

Lattes não desistiu. Ao conversar com pesquisadores da área de geografia, descobriu que o monte Chacaltaya, com cerca de cinco mil metros de altitude, próximo a La Paz, capital da Bolívia, seria local ideal colocar as suas placas. E deu certo! Lattes e sua equipe finalmente conseguiram detectar o méson pi, em 1947.

A não premiação

No início de 1948, Lattes foi para Berkeley, nos Estados Unidos, onde havia sido construído um sincrociclótron, equipamento utilizado para o enriquecimento de urânio para a bomba atômica. Esse equipamento também podia produzir os mésons pi que Lattes observou em La Paz. Então, dez dias após a sua chegada e junto com o físico estadunidense Eugene Gardner, foram observadas as partículas. Esse resultado tornou Lattes conhecido mundialmente.

César Lattes com o físico estadunidense Eugene Gardner.
Foto Lawrence Berkeley National Laboratory/AIP Emilio Segrè Visual Archives

Ao retornar para o Brasil em 1949, Lattes e seus colegas físicos fundaram o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro, um dos principais centros de pesquisa em física no Brasil. Neste mesmo ano, Yukawa ganhou o prêmio Nobel de Física pela previsão da existência dos mésons que são responsáveis pelas forças nucleares. Em 1950, foi a vez de Cecil Powell ganhar o prêmio pelo desenvolvimento dos métodos que permitiram a descoberta dos mésons. César Lattes não recebeu qualquer premiação, porque, na época, o prêmio Nobel era concedido apenas ao chefe do grupo.

Seguindo em frente

No Rio de Janeiro havia um projeto de construção de um sincrociclótron, mas ele nunca foi realizado. Esse fato desanimou um pouco Lattes, mas o cientista continuou com suas pesquisas. Em 1962, retornou para dar aulas na Universidade de São Paulo e, mais tarde, foi convidado a ser professor titular na Universidade Estadual de Campinas, onde se aposentou em 1986.

César Lattes faleceu em 08 de março de 2005, em Campinas, São Paulo. A trajetória desse ilustre físico brasileiro serve para nos mostrar que, com determinação e criatividade, podemos realizar grandes feitos. Embora não tenha recebido o prêmio Nobel de Física, ele recebeu inúmeras homenagens em todo o mundo. Aqui, no Brasil, foi criada a Plataforma Lattes, um banco de currículos de todos os cientistas brasileiros. Uma justa homenagem a um grande brasileiro.

Adilson de Oliveira
Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos

Matéria publicada em 01.07.2024

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