Se você der uma olhadinha no mapa da Terra, verá duas linhas imaginárias chamadas Trópico de Câncer e Trópico de Capricórnio. Entre estas duas linhas há um número grande de países e há também boa parte dos oceanos Atlântico, Pacífico e Índico. Toda essa região entre os trópicos recebe o nome de (adivinha!): tropical. É nesta região, em diferentes locais de encontro da terra firme dos continentes com os oceanos, especialmente em pontos onde desembocam os rios, que se formam os manguezais.
Esses ambientes têm permanente troca de água salgada com o mar e abrigam muitos animais que ali se alimentam, colocam seus ovos e criam os seus filhotes, garantindo sua reprodução. Depois de crescida, essa nova geração criada nos manguezais, migrará de volta para a água do mar, enchendo de vida os oceanos.
No Brasil, há manguezais desde o Amapá até Santa Catarina, portanto esses ambientes estão presentes nas regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Sul.
No manguezal existe grande quantidade de matéria orgânica – que são restos de plantas e animais – em decomposição pela ação de bactérias e fungos. Por isso, o cheiro no local não é lá muito agradável, levando muita gente a desconsiderar a importância desse ambiente. Mas, acostumando o nariz a um certo fedorzinho e lançando um olhar mais cuidadoso, vemos no manguezal uma enorme e belíssima diversidade de animais, vegetais, macroalgas, líquens…
Por serem áreas com muito sal, que ocorrem sobre solos arenosos instáveis, os manguezais são afetados pelo balanço da maré. Estão sujeitos a ventos fortes e constantes, tempestades ou mesmo furacões e maremotos. Assim, não são todas as plantas que conseguem habitar esses locais. Ao longo do processo evolutivo, foram selecionadas algumas espécies chamadas halófitas, que são resistentes à alta salinidade. Prepare-se para conhecer algumas curiosidades sobre essas plantas!
As raízes de certas plantas do manguezal podem crescer para baixo – que é o mais comum –, mas outras (é verdade!) crescem para cima! Essas raízes que se levantam do solo são chamadas pneumatóforos. Trata-se de raízes respiratórias encontradas em algumas plantas de habitat alagado. Elas têm vários furos (lenticelas) que permitem a entrada de gases para que a planta possa fazer a fotossíntese e também ajudar na respiração celular!
Algumas plantas de manguezal apresentam estruturas emaranhadas com a função de ajudá-las a ficar de pé, resistindo ao sobe e desce da maré. Essas estruturas são os rizóforos, caules que produzem raízes aéreas (para fora do solo) – eles também têm lenticelas! Os rizóforos são facilmente visíveis no mangue vermelho e são essenciais para as trocas gasosas das plantas. O emaranhado de caules e raízes é um local sossegado como um dormitório e imprescindível para reprodução e desenvolvimento de algumas espécies de peixes marinhos, camarões, caranguejos e mexilhões.
As plantas, assim como nós, humanos, não conseguem viver com uma grande quantidade de sal nos seus tecidos, então, algumas delas têm estruturas nas folhas semelhantes às nossas glândulas sudoríparas, ou seja, que jogam para fora o excesso de sal absorvido do manguezal. Nas folhas também são encontradas lenticelas como vimos para as raízes e caules.
(Avicennia shaueriana)
Também conhecido como canoé ou siriúba, pertence à família das Acantáceas e é usada popularmente para tratar problemas do sistema digestório. Têm pneumatóforos e suas sementes germinam ainda na planta mãe, depois caem na água e vão dar origem a uma nova planta em outro pronto do manguezal.
(Laguncularia racemosa)
Curiosamente também é chamado mangue vermelho, mangue do sapateiro ou tinteiro. Pertence à família das Combretáceas, têm pecíolo (o cabo da folha que se liga ao caule) vermelho e produz um néctar doce que atrai formigas. Suas raízes, assim como as mangue preto, são pneumatóforos.
(Rhizophora mangle)
Pertencente à família das Rizoforáceas, essa espécie apresenta rizóforos, um tipo de caule do qual nascem raízes para fora do solo. Suas sementes, assim como as do mangue preto, germinam sobre a planta mãe, só se separando após estarem bem desenvolvidas.
Antes de torcer o nariz para o cheirinho desagradável do manguezal, lembre-se do quanto esse ambiente é incrível! Ele favorece a reprodução de animais marinhos – inclusive a das aves, que encontram no local uma fartura de alimentos – e reduz o desgaste do solo do litoral, porque suas raízes e caules amortecem o impacto da água do mar. E quantas adaptações têm suas raízes, caules e folhas!
Pensando nos benefícios diretos a nós, humanos, saiba que muitas comunidades que vivem nas proximidades do manguezal catam caranguejos, mariscos e pescam no manguezal para se alimentar e revender esses produtos. As folhas e cascas das plantas do mangue são utilizadas para extração de substâncias medicinais, como tinta ou ainda para curtir (um processo que trata) o couro e o deixa pronto para a venda. A madeira das árvores é utilizada na construção de barcos e casas porque são resistentes à água.
E tem ainda o lado cultural, pois o mangue está na vida e no imaginário dos povos sob a forma de lendas e mitos.
O manguezal sofre grandes ameaças no mundo todo. É um ambiente frequentemente desmatado para dar espaço a construções e também alvo de muita poluição, porque infelizmente é bastante comum o despejo de esgoto doméstico e industrial nas áreas de mangue. Com isso, metais pesados podem ser acumulados nas plantas do manguezal, bem como resíduos de plásticos. Estes poluentes podem causar efeitos nocivos às próprias plantas e aos animais que delas se alimentam, prejudicando todo o ecossistema.
Agora que você conheceu mais sobre o assunto, já pode sair em defesa do manguezal, que é rico e bonito por natureza!
Cristiane Pimentel Victório
Laboratório de Pesquisa em Biotecnologia Ambiental
ersidade Estadual da Zona Oeste (UEZO)
Alexandre Pimenta Esperanço
Laboratório de Ecologia de Insetos
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Rosani do Carmo de Oliveira Arruda
Instituto de Biociências
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS)
Matéria publicada em 11.04.2022