Os animais se comunicam o tempo todo entre eles, para atividades como reprodução e defesa. Existem pesquisadores que se dedicam a gravar e estudar os sons dessa “orquestra” da natureza: eles são os especialistas em bioacústica!
Encontrar e gravar esses sons é uma experiência única. Quem conta é o biólogo Felipe Silva de Andrade, mestre e doutorando em Biologia Animal na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ele estuda os sons de anfíbios brasileiros, como sapos, rãs e pererecas. A bioacústica já o ajudou a descrever seis espécies novas de anfíbios! Mas se engana quem pensa que é só ir até um lugar da natureza e começar a gravar. Às vezes, os pesquisadores viajam quilômetros e… o bicho não está no brejo. Ou não está cantando. Mas, em dias de sorte, diz Felipe, tem céu estrelado e uma espécie nova de anfíbio no alto da serra. Escute, ou melhor, leia esta conversa!
Ilustração Cruz
Ciência Hoje das Crianças: O que é bioacústica? Com o que ela trabalha?
Felipe Silva de Andrade: Bioacústica é um ramo da ciência que estuda os sons da natureza. Ela tenta entender as características das ondas sonoras produzidas pelos seres vivos, como a duração dos cantos. A bioacústica também busca entender os processos biológicos envolvidos na produção e na captação desses sons pelos seres.
CHC: O que isso ajuda a desvendar na Ciência? Por que a bioacústica é importante?
Felipe: A bioacústica é importante porque ajuda a melhorar a nossa compreensão da comunicação entre os animais, e até mesmo entre as plantas. As plantas podem responder a ondas sonoras ou vibrações em seu ambiente. Por exemplo, cerca de 20.000 espécies usam a polinização por vibrações. Isso quer dizer que o pólen dessas espécies só é liberado das flores quando elas “percebem” a frequência correta do som, um feito alcançado por abelhas que evoluíram para vibrar seus músculos de voo de forma apropriada. Os sons produzidos pelos seres vivos estão associados a diferentes atividades como reprodução, defesa, predação… Estamos aos poucos desvendando os mistérios das cantorias que se ouvem por aí. As aves e anfíbios brasileiros são os grupos mais estudados, desde os Pampas até a Amazônia. Entretanto, há estudos com outros grupos, entre eles mamíferos – por exemplo: morcegos e cetáceos, como os golfinhos – e insetos, como grilos e cigarras.
CHC: Quer dizer que existe uma “orquestra” da natureza?
Felipe: Sim! E há orquestras diurnas e noturnas. Basta ir para uma mata preservada no começo da manhã ou para a beira de uma lagoa à noite. Na mata, você ouvirá uma bela “orquestra” de aves, com diversos tipos de sons de dezenas de espécies. Na lagoa, também ouvirá uma enorme diversidade de espécies de sapos, pererecas e rãs vocalizando. Você pode passar horas ouvindo essas orquestras naturais.
CHC: E como um especialista em bioacústica entende o que os animais estão “querendo dizer”?
Felipe: Tudo depende do grupo de animais. Por exemplo, anfíbios, aves e alguns grupos de mamíferos utilizam muito a comunicação sonora. Emitem sons para se reproduzirem, defender, disputar territórios, identificar seus familiares etc. Outros grupos “preferem” a comunicação visual, a feromônica e outras mais. Os feromônios são substâncias químicas produzidas pelos animais com o objetivo de promover a aproximação de indivíduos de uma mesma espécie. Esta atração é importante para possibilitar a reprodução e a perpetuação da espécie.
CHC: Como se gravam os sons? Só com gravadores ou câmeras também?
Felipe: O recomendável para pesquisas cientificas é se utilizar gravadores, microfones e câmeras profissionais. Tudo depende do objetivo. A bioacústica é uma ciência muito recente quando comparada a outras áreas já bem estabelecidas. Ela está fortemente relacionada ao desenvolvimento de novas tecnologias de captação, reprodução e análise dos sons. Os avanços são incríveis. A duração das gravações varia de acordo com o animal. Uma única vocalização pode durar milésimos de segundos ou até dezenas de minutos.
CHC: Qual foi sua experiência mais legal em gravar os sons da natureza brasileira?
Felipe: Cada trabalho de campo é uma experiência única. Gravar uma espécie nova de anfíbio no alto de uma serra com um céu estrelado é algo indescritível! E também ouvir e gravar uma espécie que há muito tempo não se encontrava em determinada localidade. Há muita beleza, emoção e aventura em ir para o mato à noite para se gravar sapos, rãs e pererecas, que é o grupo de animais com que trabalho. Todo trabalho na natureza tem seus riscos, já até bem conhecidos por todo biólogo de campo. Há o claro risco de trabalhar à noite na floresta, como animais peçonhentos ou até mesmo o “bicho homem”. Há também o risco mais temido: viajar muitos quilômetros e não encontrar e ouvir a espécie que está procurando. Isso é até comum, infelizmente. No nosso caso, por conta das gravações sonoras, há ainda o risco dos equipamentos. Nós vamos para o campo com gravadores e microfones profissionais importados que custam milhares de dólares. Tudo isso traz uma tensão maior por conta da segurança e umidade. Esses equipamentos não foram desenvolvidos para se gravar sapos, rãs e pererecas (risos). Portanto, temos que ter muito cuidado com esses equipamentos. Mas o mais importante é o bicho estar cantando no brejo!
CHC: Como se forma um especialista em bioacústica?
Felipe: Não existe nenhum programa de pós-graduação em bioacústica, pelo menos não no Brasil. O que existe são biólogos, zoólogos ou ecólogos (mestres e doutores) que trabalham com bioacústica. A formação de um especialista nessa área costuma estar associada a laboratórios especializados. A pessoa começa um estágio para entender como se capta os sons em campo, para depois aprender sobre os programas e métodos de análise desses dados captados.
CHC: Onde os sons da natureza são mais ricos?
Felipe: As áreas mais preservadas da natureza possuem uma maior diversidade de sons, ou seja, de espécies. É simples notar isso. Tente ouvir e identificar os sons de animais no ambiente urbano da sua cidade. Depois peça para seus pais levarem você a algum parque ou área com mais natureza preservada. Aposto que conseguirá ouvir uma diversidade maior de sons nesse segundo momento.
CHC: E como os animais interagem com os sons humanos? Como os nossos sons afetam os sons animais?
Felipe: Os sons humanos afetam diretamente as cantorias dos animais. Há estudos que apontam, por exemplo, que o barulho das rodovias faz com que os anfíbios mudem suas características sonoras. Um sapo macho pode alterar levemente a frequência por influência de ruídos do trafego de automóveis, por exemplo. Esses estudos ainda estão no começo. Temos muito a descobrir sobre essas interferências sonoras.
Elisa Martins,
Jornalista, especial para a CHC.