Sempre embrulhada no seu casaco preto, com um lenço escuro que cobria a sua cabeça branca e amarrava debaixo do queixo, ela era o tipo clássico da “velha fofoqueira”, aquela especialista na vida alheia.
Pela manhã, muito cedo, entrava na igreja perto de sua casa, molhava os dedos na pia da água benta, ajoelhava-se e rezava seu rosário, batendo contas sobre contas. Quando acabava, ia assistir à missa na igreja da Matriz. Frequentava o confessionário quase todos os dias. Os próprios padres já se aborreciam com o crescente beatismo de Dona Gertrudes.
Dona Gertrudes era rezadeira, ensinava remédios, fazia companhia a doentes e, com grande experiência, exercia o papel de bisbilhoteira. Vivia das rendas que fabricava e de monstruosas bonecas de pano, que fazia com trapos pedidos às costureiras. Entrava em todas as casas. Almoçava um dia com um, jantava outro dia com outro, e falava de todos e de tudo. Não havia fato que ela deixasse passar sem comentar. De casa em casa, lá ia ela contando, como um jornal falado, as novidades da terra e, ao mesmo tempo, tomando nota do que via para passar à sua frente.
Não contente com o que farejava durante o dia, Dona Gertrudes à noite se escondia por trás da persiana de sua modesta casa. Sem que ninguém a visse, ficava horas e horas espiando os que passavam na rua, com o ouvido atento às conversas.
Certa noite, como de costume, estava em seu posto de bisbilhoteira, quando alguém, que ela não tinha visto se aproximar, bateu na porta. Dona Gertrudes se abaixou, deslizou como uma gata para os fundos, sem fazer o mínimo ruído, e de lá voltou pisando forte, para fazer de conta que não estava ali atrás da persiana.
– Quem é? – perguntou, com medo, do lado de dentro, sem se mostrar.
– Um desconhecido, que lhe vem pedir o favor de guardar um objeto até amanhã.
Prestativa que era, abriu um palmo apenas da janela, estendeu o braço esquelético e recolheu o pacote que lhe entregavam: parecia um pedaço de madeira.
O relógio bateu horas e ela, depois de fechar a porta à chave, foi dormir.
No dia seguinte, logo cedo, a primeira coisa que fez foi correr para bisbilhotar o embrulho. E quase caiu dura de susto! Em lugar de um pedaço de madeira, ali estava, ainda sujo de terra fresca, nada menos que um osso de defunto!
Dona Gertrudes, apavorada, viu naquele osso um aviso dos céus. Dizem por aí que nunca mais a sua boca se abriu para falar da vida alheia.
*Histórias de suspense ou terror que terminam com uma boa lição são tradicionais em algumas cidades do interior, como em São João del-Rei, Minas Gerais. O conto “A bisbolhoteira” foi livremente adaptado pela CHC, mas você pode ler a versão original em https://lendassjdr.wordpress.com/a-bisbilhoteira/.
Matéria publicada em 22.10.2019