Vamos começar essa conversa apresentando um pouco desse território africano, do qual herdamos tantos saberes: o reino do Kongo. A escrita com a letra K faz referência ao território comandado pelo ManiKongo, na África, que, em 1498, iniciou uma relação com a Coroa Portuguesa, a monarquia de Portugal. Os portugueses, por não conhecerem quase nada sobre o povo que se chamava Kongo, chamaram o território do ManiKongo de ‘reino do Congo’. Foram traduzindo não só o nome do território à sua maneira, mas também interferiram na sua organização…
Os portugueses introduziram a religião católica entre a elite do Kongo, que, por sua vez, transformou o catolicismo em algo mais próximo do que eles acreditavam. Por isso, hoje, escrever reino do Kongo com K significa falar desse grande território no litoral oeste central da África (sul do atual Gabão, República do Congo, Cabinda, República Democrática do Congo e norte de Angola), que influenciou enormemente as culturas brasileiras.
Para você ter uma ideia, o reino do Kongo incluía muitos outros povos, entre eles os governados pelos Ngola, território que os portugueses chamaram de Angola. Assim, a região litorânea onde se encontrava as terras do Ngola e do ManiKongo ficou conhecida como Congo-Angola. Entre 1500 e 1850, essa região enviou muitas pessoas para serem escravizadas no Brasil. Elas eram desembarcadas nos portos de Belém, São Luiz, Recife, Salvador e Rio de Janeiro.
É claro que essas pessoas retiradas de seus locais de origem contra a vontade carregavam uma imensa tristeza, mas também levavam suas histórias, memórias e costumes. Muitas delas tentaram manter viva sua cultura nos locais em que chegaram, como as que vinham do reino do Kongo e recriavam as festas de reinado. Mas como eram (e são!) essas celebrações?
Duas características são as mais evidentes das influências do antigo reino do Kongo nas diversas manifestações culturais do Brasil, no passado e no presente: a homenagem ao rei e rainha Kongo e o vínculo com as irmandades de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. Hoje, é possível listar algumas das celebrações que, independentemente das suas denominações, têm um desses elementos ou os dois como base que inspirou a cultura local (saiba mais no quadro ‘Como são chamadas as congadas pelo Brasil’).
Ceará: maracatu, festa do Divino, festa do Rosário do Quilombo de Boa Vista
Espírito Santo: ticumbi, danço congo e congo
Goiás: congado
Minas Gerias: congo e moçambique
Pará: festa de São Benedito e marambiré
Paraná: festejo de São Gonçalo
Pernambuco: congado e maracatu
Rio Grande do Norte: festa de Nossa Senhora do Rosário
Rio de Janeiro: marapaiá e Domingo de São Benedito
São Paulo: congado
Muitas leis discriminatórias foram criadas no Brasil e vigoraram por mais de um século, desde a época do Império até 1937. Essas leis criminalizaram as festas e tradições do povo africano e de seus descendentes, punindo seus participantes. Na prática, quem mantivesse os festejos seria preso, e isso era levado muito a sério. Para se ter uma ideia, o código criminal de 1890 proibiu o uso dos atabaques e acabou por aprisionar não só os objetos, mas inúmeras pessoas negras livres.
No entanto, a existência ainda hoje das incontáveis celebrações – com uso de tambores, tamborins, afoxés, caixas, pandeiros, atabaques e outros instrumentos – em homenagem aos reis e rainhas do Congo (com C, que é como conhecemos no Brasil) é prova de que as culturas das pequenas localidades não morrem. São, na verdade, histórias de resistência dos africanos e seus descendentes no Brasil.
Ah, também é importante destacar que as denominações que o reinado do Congo recebe Brasil afora são diversas, porque dançam diferente, tocam diferente, vestem-se diferente e alguns louvam para santos como São Benedito ou Nossa Senhora do Rosário. Mas… todos coroam o rei e a rainha Congo!
São Benedito, um dos homenageados nas congadas, é um santo preto. Na sua origem, foi filho de escravizados, nascido no século 16, e ficou conhecido por garantir alimento aos desfavorecidos. Ele acompanha Nossa Senhora do Rosário, a santa branca que, pelos registros históricos orais, preferia o batuque dos tambores dos negros ao som dos brancos.
No Brasil colonial, a coroação de reis e rainhas Congo ocorria em quase todas as vilas em que existiam Irmandades do Rosário e São Benedito. Algumas coroações estavam vinculadas às celebrações denominadas Congos e Moçambiques, Congadas, mas outras estavam vinculadas aos Quicumbis, aos Cachambús, ou mesmo aos Maracatus, todas manifestações culturais. As pequenas histórias de cada local explicam um pouco o surgimento e o desaparecimento das coroações, das denominações, das indumentárias e dos rituais que envolvem cada festejo.
Sobreviver à escravidão que esperava os africanos e africanas que chegaram no Brasil é, sem dúvida, resistir! Essa resistência não está estampada nas placas da rua, nem nos livros da escola. Não é divulgada. As conquistas da população negra são registradas e contadas por ela mesma. Assim, as coroações dos reis e rainhas Congo são detalhes de uma origem cultural que os africanos trouxeram do Kongo (aquele, com K!).
As manifestações artísticas, culturais e educacionais são o enraizamento da cultura africana que estabiliza a vida de quem carrega essa história de resistência. Elas mudam lentamente, muito lentamente, conforme mudam os acontecimentos no tempo presente.
Larissa Oliveira e Gabarra
Instituto de Humanidades
Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira.
Matéria publicada em 01.11.2024
Zaira
Boa tarde CHC,
Achei muito interessante esse artigo “Raízes do Kongo”, cheio de informações que valorizam a herança africana.
Como sou professora, e estou trabalhando a Consciência Negra com meus alunos, vou utilizar essas informações para enriquecer nosso trabalho!
Inclusive farei um trabalho com meus alunos do terceiro ano na sala informatizada, onde eles farão leitura dos artigos da CHC para produzirem a carta de leitor.
Vocês são demais!
Maria de Nazaré dos Santos Lopes
Sou professora do Ensino Fundamental I, esse conteúdo muito me ajudou.
MARILDA DO CARMO MACEDO
Estou muito feliz de esta conhecendo um pouco da história dos meus ancestrais.
Igara Silva
Conteúdo imprescindível pro ensino fundamental. Precisamos de mais conteúdos como este para nossas aulas.