Com apenas 20 anos, Eugene Shoemaker – ou simplesmente Gene, para os mais próximos – foi contratado pelo Serviço Geológico Americano (USGS). Sua primeira tarefa importante foi investigar a ocorrência de urânio, mineral utilizado para gerar energia nuclear. Foi quando ele fez as primeiras observações da Lua e disse: “Quero ser a primeira pessoa a ir para a Lua, para explorá-la. Quem melhor do que um geólogo para fazer isso?”. No caminho do sonho de viajar para o satélite natural da Terra, ele foi enviado ao estado do Arizona, para investigar uma área vulcânica, conhecida atualmente como Cratera do Meteoro.
Gene era fascinado pelo trabalho de campo, no qual a observação de rochas e outras estruturas permite ao geólogo investigar a origem e a evolução do terreno. Na Cratera do Meteoro, enquanto realizava mais uma especialização, o doutorado, ele encontrou evidências de um mineral raro, a coesita, que só se forma quando ocorre um impacto gigantesco com as rochas, o que reforçava a ideia de a cratera ter sido gerada pelo impacto de um… meteoro!
Assim, Gene sustentava que as crateras observadas na Terra e na Lua foram formadas, quase que instantaneamente, por impacto. Essa ideia dele não batia com a crença da maior parte dos geólogos de que as crateras eram formadas como as demais estruturas geológicas: ao longo de milhões de anos.
Para explicar as crateras da Lua, baseado nas suas descobertas na Terra, Gene deu um importante passo. Ele ampliou as possibilidades de estudo da Lua e demais corpos do Sistema Solar, antes restritas apenas aos astrônomos. A partir das evidências que encontrou, esses estudos passaram a ser compartilhados com geólogos e geofísicos. Boa, Gene!
Em 1960, Gene terminou seu doutorado, no qual estudou com detalhes a Cratera do Meteoro. Nos anos seguintes, ele liderou alguns dos maiores e mais ousados projetos da época. Após o famoso discurso do presidente dos Estados Unidos John Kennedy, sobre a escolha de levar o homem à Lua, os planos de Gene ganharam um novo impulso. Ele decidiu criar um programa de astrogeologia no USGS e trabalhar nas missões Surveyor e Ranger, que abririam o caminho para a ida à Lua, além de treinar os astronautas que iriam fazer parte das primeiras tripulações a pousarem nela. E o principal foco para Gene era estar entre os primeiros seres humanos a pisarem na Lua, e tudo indicava que ele conseguiria.
Como num filme, em 1963, o sonho de menino quase se desfez… Um problema de saúde impediu que Gene integrasse a equipe de potenciais candidatos a irem à Lua. Mas ele não desistiu de seu objetivo de participar dessa aventura! Aqui da Terra mesmo, ele foi escolhido como cientista-chefe do Centro de Astrogeologia do USGS, que trabalhava lado a lado com a agência espacial, a NASA.
Gene organizou as atividades destinadas ao treinamento dos astronautas que iriam ao satélite natural da Terra, utilizando as crateras do Arizona como área de simulação. Durante o pouso da Apollo 11, em 1969, que marcou os primeiros passos do ser humano na Lua, Gene estava ao vivo como comentarista em um popular programa de televisão. Assim, viu seu sonho se realizar de forma indireta, por meio dos passos dos astronautas que ele ajudou a treinar.
Gene retornou à universidade em que se formou no mesmo ano em que o ser humano pisou na Lua. Tornou-se professor de geologia e permaneceu nesta função até 1985. Durante esses anos, estudou os corpos que poderiam gerar as crateras observadas na Terra, na Lua e em vários corpos do Sistema Solar, apresentando uma nova ideia: será que o impacto de asteroides foi algo comum ao longo da história da Terra? Para esta nova fase de seus estudos, ele contou com uma parceria preciosa: a de sua esposa, a astrônoma Carolyn Shoemaker, com quem ele casou em 1951.
Junto com Carolyn, Gene viu sua teoria sobre a formação de crateras pelo impacto de asteroides ser comprovada de uma maneira que poucos cientistas tiveram a oportunidade de vivenciar: observando, com o restante do mundo, um destes impactos acontecer. Após descobrirem 32 cometas e mais de 800 asteroides, a dupla, juntamente com o astrônomo amador David Levy, em 24 de março de 1993, descobriu o cometa que foi batizado como Shoemaker-Levy 9.
O que seria uma descoberta rotineira tornou-se uma oportunidade única para a ciência, quando estudos relacionados à sua órbita indicaram que o corpo iria colidir com o planeta Júpiter. O mundo todo iria comprovar a teoria de Gene ao vivo nos meses seguintes, o que efetivamente ocorreu, em 16 de julho de 1994, quando todos os telescópios e sondas espaciais disponíveis estavam observando o planeta gigante. Foram observados 21 impactos, e o maior deles, em 18 de julho, criou na superfície uma mancha gigante do tamanho da Terra, liberando o equivalente a 600 vezes a energia de todo o arsenal nuclear existente no nosso planeta!
Nos anos seguintes, a dupla Gene e Carolyn se dedicou à busca e investigação de outras estruturas de impacto existentes na Terra. Infelizmente, Gene morreu aos 69 anos de idade, curiosamente em uma colisão, quando o veículo que eles dirigiam chocou-se com um caminhão em uma estrada da Austrália, em 18 de julho de 1997. Carolyn sobreviveu, apesar de gravemente ferida, e continuou o trabalho da equipe até o final de sua vida, em 13 de agosto de 2021, aos 92 anos de idade.
Se você acha que esta história não teve um final feliz, vai ter agora uma surpresa! Em 31 de julho de 1999, as cinzas de Eugene Shoemaker, embaladas em um receptáculo contendo um trecho do clássico Romeu e Julieta, foram para a Lua!
É ou não é um final feliz para esse grande cientista?
“E, quando ele morrer,
Transforme-o em pequenas estrelas,
E ele fará o rosto do céu tão bonito
Que todo o mundo se apaixonará pela noite,
E não prestará culto ao sol brilhante”
Trecho do romance Romeu e Julieta, de William Shakespeare
Eder Molina
Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas
Universidade de São Paulo
Matéria publicada em 02.12.2024