Você provavelmente conhece alguma mãe solo, ou seja, que cuida dos seus filhos e filhas sozinha. O cuidado maternal é um dos comportamentos mais comuns entre humanos e outros animais, incluindo as aranhas. As mamães-aranha podem cuidar dos seus filhotes de diversas formas, desde a escolha de um berçário adequado para depositar os ovos fertilizados até o fornecimento de alimento. Isso era o que se pensava até recentemente, quando pesquisadores brasileiros descreveram o primeiro caso de uma espécie em que o papai-aranha cuida dos filhotes após o falecimento da parceira. Você já ouviu falar nesse papai-aranha?

Ilustração Walter Vasconcelos

Antes de começar a nossa história, responda rápido: você já ouviu falar em ecologia comportamental? Essa área da ciência busca usar diferentes conhecimentos para entender como os animais resolvem problemas no seu ambiente e como isso lhes permite crescer, se desenvolver, sobreviver, se reproduzir e proteger seus filhotes. Assim, os ecólogos comportamentais descrevem como os animais se comportam, investigam como os comportamentos funcionam, o que os estimula ou inibe, e por que eles evoluíram e existem até hoje.

Um dos comportamentos mais pesquisados pelos ecólogos comportamentais é o cuidado das fêmeas e dos machos com os seus filhotes, o chamado cuidado parental. Esse cuidado pode ser oferecido apenas pela mãe (cuidado maternal), apenas pelo pai (cuidado paternal), por ambos os pais (cuidado biparental) ou apenas pelo pai ou pela mãe, mas não por ambos ao mesmo tempo (cuidado anfissexual). 

Para se ter uma ideia de quanto os casos de cuidado das fêmeas são comuns, basta fazer uma pesquisa rápida na internet pelo termo “cuidado maternal”. Você vai encontrar várias imagens de mães carinhosas protegendo os seus filhos, principalmente de humanos. Mas… se você pesquisar “cuidado paternal”, provavelmente vai encontrar imagens de pais acompanhados das mães em diversas espécies de animais. Isso já nos dá uma dica de como o cuidado paternal é incomum em humanos e outros animais. Mas, em uma espécie de aranha, a história é um pouco diferente.

Cuidados da mamãe-aranha

As aranhas são criaturas fascinantes, que nascem a partir de ovos depositados pelas fêmeas após copularem com machos. As mamães-aranha envolvem os ovos com seda (formando uma estrutura chamada ooteca) para protegê-los contra a desidratação. As ootecas são fixadas em um local considerado seguro contra predadores, como teias ou folhas enroladas com seda. 

As mamães-aranha também podem proteger os ovos ativamente, carregando a ooteca nos palpos (que são duas peças articuladas que as aranhas têm na frente da boca) ou no abdômen, segurando a ooteca com as fiandeiras (que são glândulas que produzem teia e ficam na extremidade do abdômen), enquanto se deslocam. O cuidado maternal pode continuar durante os primeiros estágios de desenvolvimento dos filhotes para protegê-los dos ataques de predadores ou outros machos (que não são os pais). 

Na hora da alimentação, há casos em que as mamães-aranha regurgitam (vomitam) presas pré-digeridas na boca dos filhotes ou produzem substâncias nutritivas para alimentá-los. Em casos mais extremos, elas podem oferecer o próprio corpo como alimento, um comportamento chamado matrifagia.

O dedicado papai-aranha

Os estudos sobre cuidado parental em aranhas indicavam que não havia cuidado dos pais em algumas espécies ou que as mamães-aranhas eram as únicas que poderiam cuidar dos filhotes em outras. Em algumas espécies de aranhas sociais, que vivem em colônias, os machos podem ajudar na proteção dos bebês-aranhas contra predadores, mas não sozinhos. Em 2017, porém, houve a divulgação de uma nova descoberta! As equipes do Núcleo de Extensão e Pesquisa em Ecologia e Evolução, da Universidade do Estado de Minas Gerais, do Laboratório de Aracnologia, da Universidade Federal de Uberlândia, e do Laboratório de Interações entre Animais e Plantas, da Universidade Estadual de Campinas, divulgaram o primeiro caso de um papai-aranha que cuida dos ovos e dos filhotes depois que a mamãe-aranha morre. 

O papai-aranha estudado é da espécie Manogea porracea. Entre as quase 52 mil espécies de aranhas descritas no mundo, esse é o único caso conhecido, até o momento, de cuidado exclusivo do macho com os ovos e filhotes. Durante a estação reprodutiva, machos e fêmeas convivem na mesma teia, onde capturam presas e cuidam dos filhotes. Mas, próximo ao final da estação reprodutiva, a maioria das fêmeas morre primeiro que os machos, provavelmente  porque elas investem muita energia na produção de ovos ou porque são alvos preferenciais dos predadores, já que as fêmeas podem ser até quatro vezes mais gordinhas que os machos.

Casal de Manogea porracea na teia. O macho está no lençol de captura, no topo; a fêmea no lençol da base e as duas ootecas estão fixadas no centro da teia.

Após o falecimento da fêmea, o macho de Manogea porracea ocupou o lençol de captura da fêmea para proteger os ovos e filhotes recém-nascidos.

Na ausência das mamães-aranha, os papais-aranha se mudam para a teia das parceiras e se tornam mais ativos na proteção dos filhotes. Eles removem o excesso de umidade das ootecas após chuvas, para evitar que elas sejam atacadas por fungos; renovam os fios da teia-berçário quando se rompem, para impedir que as ootecas e os filhotes caiam no solo e sejam consumidos por formigas ou outros insetos; e, além disso, protegem ativamente a prole contra predadores que invadem as teias.

Algumas espécies de aranhas, como a Faiditus caudatus e a Argyrodes elevatus, invadem as teias de Manogea porracea para roubar presas, um comportamento chamado de cleptoparasitismo. Porém, essas aranhas podem atacar os ovos ou filhotes quando os pais se distraem ou se ausentam. Os papais-aranha lutam contra os predadores de ovos quando percebem as tentativas de ataque e podem matar ou morrer nas disputas. No geral, eles são tão eficientes em proteger os filhotes sozinhos quanto em situações em que estão acompanhados pelas parceiras. Por isso, o tipo de cuidado parental da Manogea porracea é o cuidado anfissexual. 

Um papai-aranha de Manogea porracea cuidando dos filhotes no pote experimental em laboratório.

Uma aranha fêmea de Faiditus caudatus atacando uma ooteca de Manogea porracea sem a proteção do papai-aranha.
Fotos cedidas pelos autores

Pais adotivos

Outra descoberta interessante é que o papai-aranha cuida de qualquer ooteca que esteja em uma teia, mesmo que não contenha os filhotes dele. Ao remover os machos cuidadosamente do campo, eles foram colocados dentro de potes experimentais contendo ootecas de outros machos. Mesmo nesse caso, os papais-aranha adotaram os novos filhotes. Eles moveram as ootecas adotadas para o centro da teia e reforçaram os fios de seda ao redor delas para evitar que caíssem no fundo dos potes. Além disso, eles se dedicaram a proteger essas ootecas contra predadores e foram tão eficientes nessa tarefa quanto os pais biológicos. 

Ainda há muitos mistérios para se descobrir sobre o fantástico papai-aranha. Em breve, contaremos mais histórias interessantes como estas por aqui.