Era 1862. Debaixo de uma chuva fina, os moradores do Rio de Janeiro, capital imperial, assistiam à inauguração da primeira estátua construída no Brasil: a estátua equestre de D. Pedro I, no Rossio – onde hoje se localiza a Praça Tiradentes.
Estavam presentes D. Pedro II e a família imperial, ministros e outros políticos importantes, homens ricos com suas famílias, além dos escravos e dos pobres. Todos estavam lá, comemorando o herói nacional que “fez” a independência do Brasil, em 1822, e “deu”, em 1824, a primeira Constituição deste país. Aliás, foi assim que o representaram: a cavalo, com o braço estendido levantando a constituição.
Na verdade, D. Pedro I não “fez” a Independência e também não “deu” a Constituição aos brasileiros. Mas era desse jeito que ele deveria aparecer no monumento. Afinal, a estátua foi imaginada para que as pessoas se convencessem de que o primeiro imperador inventou e organizou o Brasil.
É a história dos grandes homens e dos grandes acontecimentos que aparece em grande parte das estátuas, bustos e conjuntos monumentais. Quer mais exemplos? Na cidade de São Paulo, existem várias estátuas e monumentos dedicados aos bandeirantes: Anhanguera, Borba Gato e o magnífico Monumento às Bandeiras são alguns deles.
As representações de bandeirantes mostram os personagens homenageados prendendo os índios do sertão? Não! Os “negros da terra”, como os índios eram chamados pelos não índios, raramente aparecem nos monumentos dedicados aos bandeirantes.
No Monumento às Bandeiras, que fica na entrada do Parque do Ibirapuera, eles foram representados colaborando com os bandeirantes. Lá no final do monumento, tem um índio empurrando uma canoa. Pelo meio, aparece uma índia carregando uma criança. Mas quem está na frente da escultura, conduzindo a entrada para o sertão, são dois brancos a cavalo.
Normalmente, é a história oficial – ou seja, aquela que agrada aos que estão no poder – que se transforma em figuras de pedra, bronze ou ferro fundido.
Mas será que ainda hoje só há espaço para que a história dos grandes homens e de fatos extraordinários seja representada pelas estátuas? Não. Nem sempre é a história dos poderosos, dos grupos privilegiados da sociedade, que aparece nas estátuas. Muitas vezes, grupos historicamente excluídos conseguem representar seus heróis, seus símbolos, sua história.
No Rio de Janeiro, por exemplo, foi inaugurada, em 1986, uma cabeça dedicada a Zumbi dos Palmares, líder negro que lutou pela abolição da escravatura. Tem também estátua dedicada a pai-de-santo, estátua de sambista, estátua para operários… Isso mostra que os grupos foram conquistando espaço para homenagear seus representantes. Ainda bem!
(Esta é uma reedição do texto publicado na CHC 107.)