A abertura do texto resume um pouco a rotina de quem fazia ciência enquanto viajava pelo Brasil há muito, muito tempo, no século 19. Esses homens e mulheres eram conhecidos como viajantes-naturalistas, porque estudavam história natural, uma combinação do que hoje separamos em biologia, geologia, botânica, entre outras ciências.
Em suas viagens, ou expedições científicas, os viajantes-naturalistas caminhavam pelas florestas, atravessavam rios e subiam montanhas observando a natureza e reunindo coleções de animais e plantas para estudo. Passavam por diferentes regiões do país atentos às cidades, pessoas, festas… Anotavam tudo em seus diários e cadernos!
Boa parte dos viajantes-naturalistas que se aventurava pelo Brasil era da Europa. Vinham de países como Alemanha, Inglaterra ou França, para citar alguns exemplos. A variedade de animais e plantas do nosso país os surpreendia. A gentileza do nosso povo também devia impressionar. Afinal, eles caminhavam pelas matas com o apoio de moradores locais, povos indígenas e até mesmo de indivíduos escravizados. Como o Brasil era um país escravocrata durante a maior parte do século 19, não era incomum que homens e mulheres escravizados estivessem envolvidos nessas expedições.
Nem sempre a história das ciências fala sobre essas pessoas, mas é isso mesmo: indígenas, escravizados, mateiros e até mesmo as crianças ajudavam os viajantes e contribuíam para o desenvolvimento do conhecimento científico nessas viagens. Isso nos mostra como a ciência é resultado da colaboração entre muitas pessoas diferentes. Que tal conhecer alguns desses naturalistas que fizeram história por aqui?
Um homem alto e bem magrinho, com a barba descuidada, chamava atenção por onde passava. Seu nome era Auguste de Saint-Hilaire, um francês que chegou no Rio de Janeiro em 1816 e passou seis anos viajando pelo Brasil. Como especialista em botânica, ele se dedicou a estudar as plantas brasileiras, mas, como naturalista, registrou tudo o que achou interessante durante as suas andanças e publicou um livro contando sobre sua viagem. Percorrendo as grandes e as pequenas cidades às vésperas da Independência do Brasil, ele comentou que as pessoas que moravam no interior pareciam não desconfiar que o país estava prestes a se separar de Portugal.
Alguns viajantes-naturalistas se encontravam pelo Brasil. Saint-Hilaire, por exemplo, conheceu Georg Heinrich von Langsdorff, um diplomata russo, que também era naturalista e dono da Fazenda Mandioca, no atual município de Magé, no Rio de Janeiro. Lá, ele mantinha uma biblioteca e um museu de história natural com espécies de animais e plantas brasileiras. Para estudar melhor a natureza brasileira, Langsdorff montou uma grande expedição e chamou outros naturalistas e artistas, que percorreram com ele lugares como São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso e a Amazônia. Por que artistas? Ora, para um viajante-naturalista, um artista era um grande aliado, porque ele poderia desenhar as paisagens, a fauna e a flora dos lugares visitados e assim ajudar a registrar a natureza. Nessas expedições científicas, arte e ciência andavam lado a lado!
Nessa mesma época, um importante grupo de viajantes-naturalistas austríacos e alemães chegou ao Rio de Janeiro acompanhando a princesa Maria Leopoldina. Nascida na Áustria, ela havia se casado com D. Pedro I e se tornaria a Imperatriz do Brasil. Dentre os naturalistas que acompanhavam Dona Leopoldina, Spix e Martius são os mais famosos. Durante três anos, eles percorreram as regiões Sudeste, Nordeste e Norte, chegando até o atual estado do Amazonas. Estudaram as plantas, os animais, as línguas faladas pelos povos indígenas, a cultura e a história do povo brasileiro. De volta à Europa, publicaram muitos livros importantes sobre esses temas, como Flora Brasiliensis, que levou 66 anos para ser finalizado!
Outro naturalista que passou muitos anos trabalhando em um livro foi o inglês Charles Darwin, autor do famoso livro A origem das espécies. Foram décadas de pesquisa, leituras e viagens, incluindo uma passagem pelo Brasil em 1832, até que ele publicasse sua obra sobre a evolução das espécies. No desenvolvimento desta que é uma das mais importantes teorias científicas da história, o Brasil teve um papel importante, afinal nossa biodiversidade ajudou naturalistas como Darwin, Alfred Wallace, Henry Bates e Fritz Müller a descobrir como as espécies vão se transformando gradualmente, geração após geração, por meio de mecanismos como a seleção natural.
Até agora, vimos que a maioria dos viajantes eram homens. Isso porque as mulheres não tinham muito espaço no meio científico. O tempo passou, essa história já mudou um bocado, mas ainda há muito o que conquistar. Mas, registre aí: algumas mulheres também fizeram importantes viagens pelo mundo! Esse foi o caso de Maria Graham, inglesa que era pintora, escritora, viajou por países como Índia, Itália e Chile, e, no Brasil, foi tutora da princesa Maria da Glória, filha do imperador D. Pedro I e da imperatriz Maria Leopoldina. Além de descrever como era a vida no nosso país, Maria Graham participou de momentos importantes da nossa história. Ela ajudou a encerrar uma revolta em Pernambuco em 1824, conviveu com a corte no Rio de Janeiro e acompanhou até a Europa o documento que reconhecia a nossa Independência.
Além de todos os estrangeiros que visitaram o Brasil durante o século 19, tivemos também brasileiros que fizeram importantes pesquisas científicas sobre a fauna e a flora do nosso país. Entre os que mais se destacaram nesse período, está o grupo que formava a Comissão Científica de Exploração, que ficou conhecida como Comissão das Borboletas, e que foi uma das primeiras expedições científicas organizadas pelo governo brasileiro. Os naturalistas que faziam parte desse grupo percorreram diversas regiões do Nordeste, principalmente o Ceará, onde fizeram muitos estudos sobre a natureza local.
Como vimos, os viajantes-naturalistas eram pessoas de perfis variados: homens, mulheres, brasileiros e estrangeiros. Embora tenham viajado pelo nosso país em diferentes momentos e percorrido diferentes regiões, de alguma forma, todos contribuíram para o conhecimento do Brasil, da nossa natureza, do nosso povo e da nossa história. Os animais e plantas que coletaram no país formam coleções que são estudadas até hoje em museus e jardins botânicos no mundo todo, e os livros em que contam sobre suas viagens são importantes fontes para historiadores e interessados em geral.
Anderson Pereira Antunes
Museu de Astronomia e Ciências Afins
Matéria publicada em 15.08.2022
Luane Santos Silva
Muito boa matéria