Um primo e tanto

Dois, três, cinco, sete. Será que você consegue dizer o que esses números têm em comum? Todos são números primos. Ou seja, apenas podem ser divididos por um ou por eles mesmos.

Existem muitos números que têm essa característica. Basta pensar mais um pouco para citar ao menos mais três: 11, 13, 17. Mas sabia que volta e meia aparece um novo número primo no pedaço? E o que é mais curioso: cada vez mais extenso?

Até o final do ano passado, o maior número primo conhecido tinha nada mais, nada menos do que 7,8 milhões de dígitos. Trata-se de um numeral tão extenso que, para conseguir escrevê-lo em um pôster com 1,10 m de altura e 80 centímetros de largura, teríamos que imprimir os números em um tamanho tão pequeno que apenas com a ajuda de uma lupa seria possível enxergá-los.

Pôsteres desse tipo, acredite, existem mesmo: são vendidos na internet por cerca de 180 reais. Mas o que traz o numeral com 7,8 milhões de dígitos, de certa forma, já está ultrapassado. Sabe por quê? Em dezembro de 2005, foi anunciada a descoberta de um número primo muito mais extenso, com mais de nove milhões de dígitos, que agora detém o título de maior número primo já encontrado.

À procura do número gigante

O Gimps foi criado para incentivar pessoas comuns, que usam a internet, a contribuir para a solução de grandes problemas científicos. Talvez você não saiba, mas os matemáticos levam anos para encontrar e confirmar novos números primos. Nessa tarefa, precisam do auxílio de muitos computadores. No mundo todo, existem milhões de máquinas desse tipo – e muitas delas permanecem um bom tempo sem uso, à espera de que a pessoa que a está utilizando, seja no trabalho ou em casa, faça algo. A idéia por trás do Gimps é usar o tempo livre desses computadores em prol da matemática. No site do concurso , quem quiser pode baixar um programa e colocar o seu computador para trabalhar, no tempo vago, na busca de um novo número primo Mersenne. A página está em inglês. “Essa maneira de trabalhar é conhecida como computação paralela e tem tomado o lugar dos supercomputadores, como são chamadas as grandes máquinas com enorme capacidade de processamento. Hoje se percebe que centenas de computadores são capazes de produzir em um tempo rápido resultados que apenas computadores poderosíssimos, que nem são possíveis de fabricar com a tecnologia atual, poderiam atingir”, conta o professor João Lucas Barbosa, da Universidade Federal do Ceará e da Sociedade Brasileira de Matemática.

Para determiná-lo, foi preciso que 700 computadores trabalhassem a todo vapor, durante anos, na Universidade Estadual Central de Missouri, nos Estados Unidos. O resultado não poderia ser melhor: afinal, o número primo encontrado é de um tipo especial. Trata-se de um primo Mersenne. Há apenas 43 números desse tipo conhecidos, contando com o recém-descoberto.

Mas o que é um primo Mersenne? É aquele que resulta de uma conta aparentemente simples: 2 multiplicado por ele mesmo um determinado número de vezes menos um. Para você ter uma idéia, sete é um número primo Mersenne, pois é 2 X 2 X 2 menos 1. O detalhe é que o novo número primo do pedaço, de nove milhões de dígitos, é 2 multiplicado por ele mesmo mais de trinta milhões de vezes menos um. Se quiséssemos colocar no papel a conta, começaríamos a escrever 2 X 2 X2 X 2 até termos 30.402.457 números dois. Do resultado, subtrairíamos um. Então, encontraríamos o novo primo. Uma multiplicação e tanto, não é?

Existe um concurso que irá premiar quem encontrar um número primo Mersenne com pelo menos 10 milhões de dígitos. Chamado de Gimps – sigla em inglês que, traduzida para o português, significa Grande Busca de Números Primos na Internet –, ele irá dar ao autor da façanha 100 mil dólares, o equivalente, em valores de hoje, a 250 mil reais, aproximadamente.

Como explica João Lucas Barbosa, professor do Departamento de Matemática da Universidade Federal do Ceará e presidente da Sociedade Brasileira de Matemática, os números primos são usados por empresas que precisam transmitir dados com segurança, com a certeza de que eles não serão vistos por nenhuma pessoa que não esteja autorizada para tanto. Os bancos, por exemplo. Ou você gostaria que um desconhecido descobrisse a senha que libera o acesso à conta de sua família, quando sua mãe a digita no caixa eletrônico do shopping e essa informação é passada ao banco?

Para manter a salvo dados desse tipo, empresas usam os números primos para tornar incompreensíveis a quem não faz parte da organização as informações que precisam ser transmitidas, como se elas tivessem sido escritas em código. Quanto maior o número primo, mais difícil decifrar a informação, pois é necessário um computador muito potente para trabalhar com tantos dígitos.

Encontrar números primos, portanto, tem uma utilidade – e ainda pode render um dinheirinho, como você viu. Se você quiser, pode participar da busca pelo número primo Mersenne de dez milhões de dígitos. Saiba detalhes no quadro “À procura do número gigante”. Quem disse que desafios matemáticos existem apenas nas provas do colégio?