Um peixe pouco dado a mudanças

É natural que os seres vivos sofram alterações físicas ao longo do tempo. Mas um animal que não mudou suas características nos últimos 150 milhões de anos foi descoberto na costa do Rio de Janeiro: trata-se de uma nova espécie de quimera, um peixe cartilaginoso tão antigo quanto os tubarões! Com cerca de 40 centímetros de comprimento, a quimera descoberta é uma das menores do mundo — esses peixes apresentam, em geral, o dobro desse tamanho! Também é a primeira espécie do tipo descrita em toda a costa da América do Sul voltada para o oceano Atlântico.

A nova espécie de quimera descoberta no litoral brasileiro pode medir até 40 cm de comprimento (foto: Rafael de Alcântara Brandi)

Mas não pense que, só porque o animal não mudou muito ao longo do tempo, ele não é desenvolvido. Ao contrário, isso significa que ele está bem adaptado ao ambiente onde é encontrado. As quimeras vivem em uma região conhecida com talude, localizada entre a plataforma continental e o fundo do oceano. A plataforma continental corresponde à parte imersa dos continentes ou das ilhas, que se segue ao litoral, estendendo-se até cerca de 200 metros de profundidade.

No talude, a profundidade varia de 350 a 700 metros, a temperatura da água fica em torno de 5º C, há pouca luz e as correntes são lentas. “Há também recifes de corais nas áreas rochosas, intercalados com poços de lama”, conta o biólogo Jules Soto curador do Museu Oceanográfico da Universidade do Vale do Itajaí, que descobriu a nova espécie junto com Carolus Vooren, professor da Fundação Universidade do Rio Grande. Os poços de lama são reservatórios no fundo do mar, que acumulam sedimentos que não são levados pelo oceano.

Bem adaptadas ao ambiente — que também não mudou muito com o tempo –, as quimeras não têm necessidade de alterar suas características. Esses peixes, por exemplo, têm canais sensoriais por toda a cabeça, como se fossem nervos expostos, o que ajuda a detectar a presença das suas presas, numa distância curta, rapidamente. Apesar de viverem na escuridão, enxergam muito bem e são capazes de notar qualquer raio de luz, por mais fraco que seja. Possuem, ainda, seis placas de dentes e duas fendas respiratórias.

O fato de estarem tão adaptadas ao seu ambiente, no entanto, traz um risco para as quimeras. “Qualquer mudança no hábitat pode representar uma ameaça enorme a esses peixes”, explica Jules Soto. E, hoje, essas alterações estão ocorrendo. A pesca submarina não é controlada e a destruição de recifes de corais é uma realidade. “O homem pode estar acabando com espécies que a ciência nem conhece”, explica ele.

Jules Soto acredita que o fundo do mar brasileiro ainda tem vários animais tão desconhecidos quanto a espécie recém-descoberta de quimera. “As pesquisas nessa região são recentes e o custo para fazê-las é alto”, explica. “Mas já existe um projeto em andamento: a construção de um aquário para permitir o estudo dessas espécies que habitam o fundo do mar e também a visita do público a elas.”

Quem sabe em breve possamos ver de perto bichos como a nova espécie de quimera e nos surpreender com suas características?