Um passeio cheio de história

Algumas relíquias vieram à tona com a reforma do Passeio Público, como o teatro e a Fonte dos Amores de Mestre Valentim (esq.) e o lago projetado pelo francês Auguste Glaziou (dir.)

Esta história começa no distante ano de 1783, na cidade do Rio de Janeiro. O Brasil ainda era colônia de Portugal e as pessoas não tinham o hábito de conviver em lugares públicos. Encontrar os amigos? Apenas em suas próprias casas! Percebendo que era preciso construir um lugar ao ar livre para passeios e encontros na cidade, o vice-rei Dom Luiz de Vasconcelos deu uma ordem: pediu a Mestre Valentim, um famoso artista da época, para projetar um enorme jardim, o Passeio Público, que existe até hoje.

Esse lugar, que passou por várias reformas, tem muita história para contar. Pudera: são mais de 200 anos de existência! Mas a boa notícia é que parte da trajetória do Passeio Público — o primeiro jardim público do Brasil — está vindo à tona por conta das obras que vêm sendo feitas para restaurá-lo!

Quer exemplos? Então, anote aí: o Passeio Público, que nasceu esplendoroso, com lindos jardins e até um terraço com vista para o mar, contava com um monumento feito por Mestre Valentim: a Fonte dos Amores. Pois bem! Parte dessa obra, que estava soterrada, agora pode ser vista, assim como parte da reforma ordenada por D. Pedro II e realizada pelo francês Auguste Glaziou em 1862

Meste Valentim
Valentim da Fonseca e Silva, conhecido como Mestre Valentim, nasceu em 1745, em Minas Gerais, e é considerado um dos maiores artistas do século 18. Quando veio para o Rio de Janeiro, em 1770, fez vários monumentos, como as estátuas de Eco e Narciso , instaladas no Jardim Botânico. Realizou obras públicas no Estado e foi escalado para projetar o Passeio Público: na época, um lindo jardim com desenhos de triângulos, retângulos e outras formas geométricas feitos a partir da vegetação. Mestre Valentim morreu em 1813, no Rio de Janeiro.

Glaziou elaborou um novo jardim para o Passeio Público e, de sua reforma, hoje podemos ver o lugar onde, antes, era um pequeno lago e ainda parte da casa onde o francês morava.

A reforma do Passeio Público trouxe à tona as ruínas do Theatro-Casino, cuja cozinha pode ser vista na foto acima

Mas não é só. As ruínas de um Theatro-Casino — um lugar onde funcionava um teatro e uma casa de jogos — e as fundações do primeiro aquário público de água salgada da América Latina, ambos erguidos no Passeio Público em 1900 e demolidos na década de 1930, também vieram à tona.

“Tudo isso será apresentado para quem visitar o parque por meio de placas, que sinalizarão as descobertas e ajudarão a contar a história do jardim”, conta Rosana Naijar, pesquisadora do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e coordenadora do projeto de pesquisa arqueológica do Passeio Público.

Uma história, aliás, que tem pitadas de música e literatura! Por ser um local feito para o lazer e para a vida social, o Passeio Público era aproveitado, no passado, por muitos artistas como um espaço para mostrar seus talentos. Ali, poetas recitavam seus versos, músicos tocavam seus instrumentos e grandes mestres da literatura passeavam por suas alamedas, como o escritor Machado de Assis.
Passeio Público
Centro/Lapa, Rio de Janeiro.
Aberto ao público, diariamente, de 9h às 17h.

A partir de agora, visitando o Passeio Público, você pode conhecer as grandes reformas pelas quais ele passou desde que foi inaugurado e ainda perceber toda a sua importância história, já que as obras estão em fase final. Quem mora fora do Rio de Janeiro, no entanto, não precisa desanimar. Para fazer uma visita pela Internet, acesse o site  www.passeiopublico.com.br. Lá você encontra tudo sobre esse lugar que faz parte da história do nosso país!

O Passeio Público nos livros
Muitos escritores falaram do Passeio Público em suas obras. No livro Dom Casmurro , de Machado de Assis, por exemplo, há um capítulo chamado “No Passeio Público”. Leia um trecho:
“Entramos no Passeio Público. Seguimos para o terraço. Andando, para me dar ânimo, falei do jardim:
– Há muito tempo que não venho aqui, talvez um ano.
– Perdoe-me – atalhou ele – Não há três meses que estive aqui como o nosso vizinho Pádua; não se lembra?”
Como você pode perceber, nessa parte do capítulo, um dos personagens criados por Machado de Assis faz referência ao terraço com vista para o mar que existia no Passeio Público. Já no trecho a seguir, escrito por Luiz da Câmara Cascudo e retirado da lenda “Fonte dos Amores”, publicado no livro Lendas brasileiras , o autor fala um pouco sobre o que havia onde hoje é o Passeio Público e também sobre a sua construção:
“Onde se estende o Passeio Público, do Rio de Janeiro, refletiam-se ao Sol as águas estagnadas da lagoa do Boqueirão, terrenos do Campo da Ajuda, com a orla de lama e orquestra de sapos. (…) A lagoa do Boqueirão foi vencida pelos trabalhos que Mestre Valentim chefiava, sob a palavra animadora do Vice-Rei (…) Nascera, por mais de cem anos, o mais popular e querido dos logradouros do Rio de Janeiro” (…).
Por ser tão querido, como disse Câmara Cascudo, o Passeio Público recebeu um elogio rasgado de João do Rio, que, em 1917, escreveu no texto “Crônica”:
“(…) Que beleza cultivada e suave essa do Passeio Público! Raros são os jardins do mundo que tenham a graça aérea, esse ar de cenário (…)”