Peixe das cavernas

Adentrar cavernas procurando segredos escondidos – o trabalho dos cientistas às vezes parece aventura de filme. Mas foi exatamente assim que um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos descobriu uma espécie de peixe na caverna Gruna da Tarimba, em Mambaí, Goiás.

A Gruna da Tarimba é uma das maiores cavernas do Brasil. Dentro dela, corre um rio subterrâneo onde foi encontrado o peixe <i>Ituglanis boticario</i>. (foto: Ricardo Martinelli)

A Gruna da Tarimba é uma das maiores cavernas do Brasil. Dentro dela, corre um rio subterrâneo onde foi encontrado o peixe Ituglanis boticario. (foto: Ricardo Martinelli)

O animal, que recebeu o nome de Ituglanis boticario, vive exclusivamente em ambientes subterrâneos, e por isso é chamado de troglóbio pelos cientistas – a palavra é uma união dos termos gregos troglos, ou “caverna”, e bios, que quer dizer “vida”.

Uma característica marcante dos peixes desse grupo é a presença de pequenos dentes, semelhantes a espinhos, na região lateral da cabeça. Eles servem para que o peixe se prenda às pedras no fundo dos rios, evitando que sejam levados pela correnteza ou em enxurradas.

I. boticario tem o corpo fino e alongado, podendo medir até 10 centímetros de comprimento. Apesar de semelhante a outros peixes de sua região, ele apresenta algumas particularidades. “Os olhos são menores, sua pigmentação, mais clara e os barbilhões – estruturas semelhantes a bigodes –, mais longos”, avalia o ictiólogo Pedro Rizzato, da Universidade de São Paulo.

O Ituglanis boticario possui até 10 centímetros de comprimento e seu corpo é fino e bem alongado. Embora dois exemplares do peixe tenham sido observados em 2004, somente em 2014 a nova espécie foi reencontrada e descrita pelos cientistas. (foto: Pedro Rizzato)

Ituglanis boticario possui até 10 centímetros de comprimento e seu corpo é fino e bem alongado. Embora dois exemplares do peixe tenham sido observados em 2004, somente em 2014 a nova espécie foi reencontrada e descrita pelos cientistas. (foto: Pedro Rizzato)

Nas cavernas onde vive, o peixe recém-descoberto tem um papel biológico muito importante. Segundo o especialista, a espécie se alimenta principalmente de invertebrados aquáticos, como larvas de insetos, e, por isso, é essencial para o equilíbrio do ambiente: o peixe controla as populações de suas presas e impede que elas se proliferem no ambiente.

Infelizmente, I. boticario já está ameaçado de extinção. Ele depende dos alimentos que são levados pela água da chuva para dentro da caverna, mas, por causa dos desmatamentos e do uso de agrotóxicos e pesticidas no entorno, tem dificuldade de encontrar comida. Além disso, a urina do gado criado nas proximidades da caverna também é prejudicial, pois libera na água grandes concentrações de amônia, uma substância tóxica.

“Em uma contagem feita em uma área de 200 metros de extensão do rio subterrâneo que fica dentro da gruta, foi constatada a presença de 20 a 30 peixes adultos”, conta Pedro. “Isso já é considerado uma população muito pequena e reflete as dificuldades que a nova espécie enfrenta por lá”.

Para proteger I. boticario e outros seres que também vivem na Gruna da Tarimba – incluindo aqueles ainda desconhecidos pela ciência –, é preciso criar unidades de conservação nos arredores da caverna. “A Gruna da Tarimba deve ser considerada pela legislação ambiental um ambiente de máxima prioridade de conservação”, alerta.

Matéria publicada em 09.03.2015

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Valentina Leite

Sou apaixonada por cinema, sushi e praia. Adoro escrever, andar de bicicleta, cantar (no chuveiro) e conhecer pessoas novas! Quando pequena queria ser cientista, mas acabei escolhendo ser jornalista e agora escrevo sobre ciência.

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