O gigante e os pequeninos

No frio da Antártica, o gelo é a paisagem dominante. E é exatamente nele que está instalado um aparelho gigantesco – cerca de dez vezes o volume do morro Pão de Açúcar – capaz de desvendar mistérios sobre pontos distantes do Sistema Solar. Vamos lá, pode perguntar: o que o gelo tem a ver com o universo?

Bilhões de neutrinos atravessam a Terra a cada segundo. Para detectá-los e identificar a direção de onde vêm, cientistas enterraram sensores esféricos no gelo da Antártica (Foto: IceCube/Robert Schwarz)

Bilhões de neutrinos atravessam a Terra a cada segundo. Para detectá-los e identificar a direção de onde vêm, cientistas enterraram sensores esféricos no gelo da Antártica (Foto: IceCube/Robert Schwarz)

Para começar a entender, saiba que o tal aparelho gigante enterrado no gelo, que recebeu o nome de Cubo de Gelo (ou IceCube, no original em inglês), serve para detectar neutrinos – partículas minúsculas e levíssimas que quase não interagem com outras partículas.

O que os neutrinos têm de especial? De tão pequenos, muitos deles atravessam a Terra sem deixar vestígios, como se os objetos, o solo e o próprio planeta fossem invisíveis a eles. Para você ter uma ideia, os neutrinos conseguem atravessar uma parede de chumbo com cerca de 10 trilhões de quilômetros de espessura sem se chocar com os átomos que a formam! Dessa forma, eles podem carregar valiosas informações sobre seus distantes locais de origem.

Neutrinos podem vir de muitos lugares diferentes – podem ser emitidos, por exemplo, pelo Sol e pelo próprio corpo humano. Mas os mais raros e curiosos são os que vêm de muito, muito longe, diretamente de buracos negros e até da matéria escura (saiba mais na CHC 247).

Encontrar neutrinos por aí não é tarefa fácil e exige aparelhos elaborados. “O Cubo de Gelo é formado por grandes cordas com mais de cinco mil esferas sensíveis à luz”, explica o físico Ulisses Barres, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas. “Isso porque, quando os neutrinos conseguem interagir com algum pedaço do gelo, algumas partículas minúsculas são produzidas e emitem uma luz azulada visível que desaparece muito rápido”.

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Recentemente, o aparelho conseguiu detectar os dois neutrinos mais energéticos já encontrados. Eles receberam os nomes de Bert e Ernie – como os personagens do programa infantil dos anos 1970 Vila Sésamo. Agora, os cientistas tentam detectar outras partículas semelhantes e descobrir de que parte do universo elas vêm.

Trabalhando no gelo
Instalar o Cubo de Gelo em plena Antártica não foi fácil. Para posicionar o equipamento, os cientistas usaram um aparelho que jorra água fervente para derreter o gelo. Em seguida, foi preciso correr contra o tempo: os buracos duravam apenas 24 horas, e os procedimentos deveriam ser feitos antes que a água voltasse a congelar.

Ao todo, foram instaladas 86 cordas em buracos com mais de 2 mil metros de profundidade. Segundo o físico Spencer Klein, do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, o experimento demorou cinco anos para ser construído, porque só é possível trabalhar lá durante o verão, que vai de outubro a fevereiro. Ainda assim, as temperaturas variam de 45° a 20° Celsius negativos. Parecia uma missão impossível, mas a equipe provou que não!