Novas peças de um antigo quebra-cabeça

Eles não são maiores do que um palmo. Comem cupins e formigas. Costumam ficar entocados em buracos no solo para se proteger do sol e de seus predadores: animais como o gavião e a siriema. Têm hábitos diurnos, vivem em ambientes abertos, longe de florestas, e ficam à espreita de suas presas. Mas o melhor é que acabam de ser estudados e descritos por dois pesquisadores como duas novas espécies de lagartos brasileiros. Meninos e meninas, a CHC tem o prazer de apresentar o Stenocercus quinarius e o Stenocercus squarrosus !

O lagarto Stenocercus quinarius , encontrado em 2001 no Parque Nacional do Grande Sertão Veredas. (Foto: Cristiano Nogueira).

O Stenocercus quinarius foi encontrado em 2001 no Parque Nacional do Grande Sertão Veredas, que fica entre Minas Gerais e Bahia. Quem achou o animal foi Cristiano Nogueira, analista de biodiversidade da Conservação Internacional, uma organização não-governamental que cuida da preservação da natureza. Na época, Cristiano vasculhava o cerrado atrás de lagartos, que foram tema de uma pesquisa que desenvolveu na Universidade de São Paulo. “Estes estudos ajudaram a mostrar que o cerrado é muito mais rico em biodiversidade do se pensava até pouco tempo atrás. Nem só de floresta vive a biodiversidade brasileira”, conta ele.

Já o segundo lagarto, Stenocercus squarrosus , foi encontrado mais ou menos na mesma época por Hussam Zaher, pesquisador da Universidade de São Paulo – e numa região de nome para lá de curioso: o Parque Nacional da Serra das Confusões, no Piauí, já na região da caatinga.

Encontrado no Parque Nacional da Serra das Confusões, no Piauí, o Stenocercus squarrosus é outra espécie de lagarto recém-descoberta no Brasil. (Foto: André Pessoa)

Havia quase certeza de que ambos os animais eram desconhecidos pela ciência: ou seja, nunca haviam sido estudados e descritos por pesquisadores como espécies diferentes das outras já conhecidas. Coube a Cristiano Nogueira e ao professor Miguel Trefaut Rodrigues, da Universidade de São Paulo, a tarefa de acrescentá-los no grupo das espécies já identificadas, o que deve ser comemorado: afinal, os lagartos podem representar agora duas novas peças que os cientistas têm à disposição para entender o que poderíamos comparar a um quebra-cabeça.

“Os lagartos recém-descobertos são provavelmente bem antigos. Eles não são típicos dos ambientes atuais: não estão bem distribuídos neles e só são mais abundantes nos carrascos – áreas de cerrado muito densas, secas, em geral nas áreas mais altas, de topo de chapada”, explica Cristiano. “Os botânicos não sabem a origem da vegetação do carrasco e nem mesmo o que ele seria exatamente: se ele seria, por exemplo, um mistura entre a vegetação de caatinga e o cerrado, ou um resto de um tipo de vegetação anterior aos atuais, e que hoje se encontra isolado em manchas entre a região do cerrado e da caatinga.”

Recém-descobertos e já ameaçados
Embora tenha sido encontrado dentro do Parque Nacional da Serra das Confusões, no Piauí, o Stenocercus squarrosus provavelmente também vive fora dos limites dessa área de conservação, onde carvoarias provocam desmatamento, acabando com o seu hábitat. Uma situação preocupante, mas ainda assim, acredite, melhor do que a do Stenocercus quinarius . Isso porque o Parque Nacional do Grande Sertão Veredas, onde a espécie foi encontrada, está cada vez mais isolado por carvoarias e pelo cultivo de soja. “O carrasco, onde essas espécies vivem, é muito visado para a produção de carvão, já que tem muitas árvores”, conta Cristiano. ”Isso gera um impacto sério, já que destrói o hábitat desses animais. E se você destrói grande parte da região em que vive um animal, terá destruído grande parte da população dessa espécie também.”

Encontrar, pela primeira vez, espécies como as recém-descritas no cerrado e na caatinga pode ser útil para definir a origem dos carrascos. Isso porque esses lagartos pertencem ao gênero Stenocercus . A maioria dos animais desse tipo vive atualmente nos Andes e poucos são conhecidos no Brasil, existindo espécies apenas no Pará, em Minas Gerais e na Serra da Canastra.

“Saber que hoje há espécies desse gênero nos Andes, no cerrado e na caatinga nos leva a supor que existia algum tipo de conexão entre essas regiões. No passado, talvez houvesse ambientes que eram mais distribuídos do que são atualmente, ambientes que foram sendo modificados naturalmente, mas que hoje continuam sendo alterados, de modo muito mais rápido, pelo homem”, explica Cristiano. “Assim sendo, o parentesco entre essas espécies de lagartos poderá nos auxiliar a entender o passado dos ambientes abertos no Brasil e no continente. Por serem espécies antigas, esses lagartos ajudam a entender a história do ambiente em que vivem.”

Para você ver que, lagarteando por aí, esses dois animais têm muito a contribuir para a compreensão da natureza. Portanto, que eles recebam nossas boas-vindas ao mundo da ciência!

Para saber mais
Leia o texto A aventura de descobrir uma espécie e entenda como os cientistas sabem que estão diante de um animal ainda desconhecido pela ciência.