Na toca de antigos tatus

Túneis feitos por tatus gigantes pré-históricos encontrados na cidade de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul (foto: Francisco Buchmann).

Você, com certeza, gosta de brincar de esconde-esconde. Mas imagine se um tatu fosse seu companheiro de brincadeira! Ela não ia ter graça nenhuma, já que esses animais têm um esconderijo especial: tocas cavadas embaixo da terra, onde eles podem ficar por um tempão!

Sabia, porém, que abrigos desse tipo, só que feitos por tatus gigantes, já foram encontrados no sul e no sudeste do Brasil? Pois é verdade! E olhe que o cientista que fez essa descoberta nem estava brincando de esconde-esconde com os proprietários das tocas. Afinal, eles estão extintos há muitos e muitos anos!

Vídeo mostra o interior de uma toca cavada por tatus gigantes, filmada pelos pesquisadores que a descobriram.

Por incrível que pareça, o responsável por localizar essas tocas foi um oceanógrafo: Francisco Sekiguchi de Carvalho e Buchmann, da Universidade Estadual Paulista. Buchmann estuda as variações que ocorreram no mar brasileiro nos últimos dois milhões de anos, por meio da análise de fósseis, e, nesse trabalho, encontrou tantos túneis feitos por tatus gigantes – cerca de 60 – que resolveu estudá-las mais a fundo.

O achado mais recente do pesquisador foram cinco túneis de paleotocas – isto é, tocas ocas, sem acúmulo de material – encontrados em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul. Como os outros túneis, eles foram feitos por tatus que viveram na América do Sul entre 10 milhões e 10 mil anos atrás: animais que construíam abrigos com até dois metros de diâmetro e cem metros de comprimento, quando os feitos por tatus atuais têm de 10 a 50 centímetros de diâmetro.

Na casa do tatu

Francisco Buchmann tira moldes de silicone das marcas deixadas por tatus gigantes nas paredes de suas tocas (foto cedida pelo pesquisador).

As tocas são os lares dos tatus e têm várias divisões, que funcionam como ‘cômodos’, em túneis diferentes. Parecidas com as nossas casas, elas têm porta da frente – por onde o tatu entra e sai –, saída de emergência – por onde ele foge –, saída do lixo – por onde o bicho joga fora seus dejetos –, entrada de ar – como janelas, para ventilar – e a câmara de giro – espécie de sala de estar, mais ampla, onde o tatu passa a maior parte da sua vida.

O mais comum, no caso de tocas feitas por tatus gigantes, é achar abrigos com materiais acumulados ao longo do tempo. Já tocas ocas como as de Novo Hamburgo – as paleotocas – são mais raras, sendo que a equipe de Francisco Buchmann foi a primeira a localizar abrigos assim no Brasil, há dez anos.

Por serem ocas, as paleotocas permitem que se estude o comportamento dos tatus gigantes e o ambiente em que viviam – o que não pode ser conhecido somente pela análise de fósseis. Para isso, no entanto, encara-se uma aventura. Buchmann precisa entrar nos túneis – muitas vezes com pouca ventilação e muitos fungos – e recolher moldes em silicone das marcas deixadas nas paredes pelas patas e carapaças dos animais. “Ao estudar os moldes de silicone e os esqueletos dos animais nos museus, podemos relacionar a sua anatomia com os movimentos que faziam”, conta o pesquisador.

Mas que tatu é esse, afinal?

Não é possível dizer qual espécie de tatu cavou as tocas encontradas em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul. No entanto, talvez ela pertença ao mesmo gênero do tatu acima, o Propaopus grandis (ilustração: Renato Lopes).

Buchmann diz que ainda não pode afirmar com certeza que espécie de tatu gigante fez os túneis encontrados em Novo Hamburgo, mas suspeita que o escavador em questão foi um tatu dos gêneros extintos Propraopus ou Eutatus.

“Ele deve ser bem semelhante ao tatu-galinha e maior do que o tatu-canastra, que nós temos no Brasil”, conta o pesquisador. O tatu-canastra, maior tatu encontrado no planeta, chega a ter um metro e meio de comprimento e está ameaçado de extinção em nosso país, onde é encontrado em estados das regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste.