Todo mundo tem certa curiosidade de conhecer o Marajó ou, pelo menos, de saber mais sobre essa imensa ilha localizada na costa do Pará, famosa pela criação de búfalos e sua cultura ancestral. Os povos antigos que ali habitaram nos deixaram a cerâmica mais bela que se conhece no Brasil e muito admirada em todo o mundo. Mas hoje vou escrever sobre outro tesouro marajoara: o Museu do Marajó, já ouviu falar?
Foi um padre italiano, Giovanni Gallo, quem teve a iniciativa de montá-lo. Quando foi inaugurado, em 1987, na cidade de Cachoeira do Arari, o museu trouxe muita esperança de que se tornaria um polo de atração para os turistas. As palavras do padre Gallo já diziam: “A nossa preocupação não é recolher objetos, mas sim cultura”. É isso mesmo que pode ser visto nas centenas de peças interativas, que nos ajudam a pensar o modo de vida do caboclo marajoara e suas múltiplas adaptações a esse ambiente.
As exposições contam histórias surpreendentes e inusitadas daquelas comunidades, algumas protagonizadas pelo próprio padre. Por exemplo, o caso das piranhas envernizadas!
O caso das piranhas envernizadas
Nosso cenário é a Vila do Jenipapo, no município de Santa Cruz do Arari, às margens do lago do Arari, quase no meio da ilha do Marajó. Lá, as casas são palafitas, estruturas precárias de madeira que ajudam a colocar as construções em lugares mais altos, acima do nível das águas. Esta é uma adaptação da população local para sobreviver aos períodos de cheia dos rios, de janeiro a junho.
O problema é que as tais palafitas são construídas de maneira muito simples, ligadas por passarelas de madeira inseguras, que causam muitos acidentes. Ao chegar à comunidade, padre Gallo notou o problema, mas não tinha recursos para melhorar as construções.
Um dia, durante uma ida a Belém, viu em uma loja de lembranças para turistas aquelas pavorosas piranhas envernizadas com suas bocas escancaradas mostrando os dentes afiados. Teve aí uma ideia brilhante: produzir em série um artesanato de melhor qualidade, que poderia reverter recursos para as comunidades do Jenipapo e de Santa Cruz do Arari.
Então, pescou da janela de sua casa uma piranha que serviria para iniciar seus experimentos. Não foi fácil. Ao tentar injetar formol no peixe com uma seringa, a agulha entortou e jorrou formol direto nos olhos do padre – que perigo! Ele sentiu muita dor e ficou sem enxergar por uma noite inteira, pensando até que teria perdido a visão. Ao acordar, ainda sentindo os olhos ardentes, viu que estava enxergando, mas que precisava ter muito mais cuidado para realizar aquela tarefa.
A partir desse primeiro experimento, montou uma verdadeira linha de produção no salão paroquial, com seus auxiliares bem protegidos com óculos e luvas. Ali, puseram-se a formolizar e embalsamar as incontáveis piranhas do lago do Arari. No total, foram nada menos que 12.000 piranhas produzidas e vendidas pelos quatro cantos do mundo.
As piranhas do padre Gallo ficaram tão famosas que viraram notícia em vários jornais dos Estados Unidos e da Europa. Graças à sua venda, a comunidade levantou recursos para fazer várias melhorias, reconstruindo com madeira de primeira qualidade pontes, passarelas e até mesmo uma pequena pista de pouso para aviões. Até hoje, quase 40 anos depois, as pontes estão no lugar. Quem diria!
Quer ouvir mais sobre padre Gallo e o Museu do Marajó? Confira aqui um vídeo sobre o assunto.