Um sorvete e uma descoberta

(Esta é a continuação de um diálogo que foi iniciado nas colunas anteriores. Para ler as primeiras partes, clique aqui e aqui.)   

– Caramba, pai, e não é que você estava certo?

– Eu estava certo, não, filho: Erasto Mpemba estava certo!

– A água da chaleira, mais quente, congelou antes da água do filtro, que estava à temperatura ambiente. Incrível!

– O jovem Mpemba descobriu isso em 1963, quando ainda era aluno do Ensino Médio em Tanganica, um país que existiu apenas entre os anos de 1961, quando se tornou um país independente, e 1964, quando se juntou com outros dois países para formar a Tanzânia atual.

– A Tanzânia fica na África, não é?

– Isso. No lado leste do continente, na área entre o Oceano Índico e os grandes lagos africanos, onde nasce o rio Nilo.

– Uau, deve ser um lugar legal, mas nem imagino como deve ser estudar numa escola de lá.

– Acredito que não seja assim tão diferente da sua escola. E aposto que Erasto tinha muito em comum com você, embora, na época em que ele descobriu o fenômeno, ele já estivesse um pouco mais velho – cursava o Ensino Médio. E, como você, ele era bem observador. Na escola dele, a Escola Secundária Magamba, os meninos faziam sorvete. Ferviam o leite, misturavam com açúcar e outras coisas para dar sabor, deixavam esfriar na forma e, depois, colocavam no congelador. Erasto um dia se atrasou, e viu que um colega já ia colocando a sua forma com a mistura à temperatura ambiente no congelador e não sobrava muito espaço para outras formas. Então, decidiu correr e colocar sua forma ainda quente, para não perder a oportunidade.

Erasto Mpemba fazia sorveta na escola com os amigos quando descobriu que o líquido quente congelava mais rápido que aquele à temperatura ambiente. (foto: Joy / Flickr / (a href=https://creativecommons.org/licenses/by/2.0)CC BY 2.0(/a))

Erasto Mpemba fazia sorveta na escola com os amigos quando descobriu que o líquido quente congelava mais rápido que aquele à temperatura ambiente. (foto: Joy / Flickr / (a href=https://creativecommons.org/licenses/by/2.0)CC BY 2.0(/a))

– Aposto que o sorvete dele ficou pronto antes daquele do colega.

– Exato. E os dois tinham colocado suas formas praticamente ao mesmo tempo. Impressionado com o fato, Erasto perguntou a outras pessoas que trabalhavam vendendo sorvetes e elas confirmaram que colocavam as misturas para congelar enquanto ainda estavam quentes, pois isto fazia com que ficassem prontas mais rápido. Mas ninguém parecia saber explicar o porquê. Erasto, então, perguntou ao seu professor de física, mas este, imaginando que isso não podia acontecer, descartou a observação de Erasto como um erro.

– Ah, que picareta!

– Pois é. Mas, quando um professor da universidade chamado Denis Osborne foi à escola de Erasto para dar uma palestra, Erasto não resistiu e perguntou ao professor como era possível aquilo ocorrer. O professor Osborne disse que achava estranho que algo assim acontecesse, e perguntou se Erasto tinha certeza de que tinha observado corretamente. Quando Erasto confirmou, o professor Osborne disse simplesmente que não sabia explicar aquilo, mas prometia que estudaria o assunto. Erasto já havia demonstrado o efeito com água no laboratório para alguns colegas dele que, embora soubessem que era verdade, ficaram envergonhados por Erasto ter feito uma pergunta que o palestrante convidado não sabia responder.

– Que bobagem, eu teria ficado orgulhoso do meu amigo. Ele deve ter parecido muito inteligente.

– Aparentemente, não. Mas, para a sorte dele, o professor Osborne realmente pensou a respeito. Ao retornar para a universidade, encarregou um técnico de fazer o experimento no laboratório e reportar os resultados para ele. Quando o técnico demorou muitos dias para retornar a ele com as informações obtidas, o professor Osborne foi cobrar. O técnico, então, admitiu que havia feito o experimento várias vezes, mas que “dava sempre errado”: a água quente sempre congelava antes da água à temperatura ambiente.

– O professor Osborne deve ter ficado impressionado.

– É provável. Eu teria dado boas gargalhadas. A partir daí, o professor Osborne mergulhou no problema e obteve muitos dados experimentais. Ele e Erasto publicaram suas descobertas e resultados numa revista científica internacional em 1969, quando Erasto já estava estudando na faculdade.

– Uau, maneiro! A descoberta de um aluno de escola foi lida pelos maiores cientistas do mundo?

– Sim, e não só isso: muitos passaram a estudar e tentar explicar o fenômeno, que ficou conhecido como “efeito Mpemba”. Até hoje as pessoas ainda descobrem coisas novas relacionadas a ele.

– Foi bacana do professor Osborne dar o crédito ao Erasto, não foi? Ele poderia ter escrito um artigo como se ele tivesse descoberto o efeito…

– Sim, você tem razão. Esse professor Osborne também tem a minha admiração. Não só por isso, mas também por ter escutado o Erasto e acreditado nele, apesar de achar que aquilo não podia acontecer. O professor Osborne pode não ter se tornado um cientista renomado, mas certamente, pela nobreza de caráter e generosidade que demonstrou com o Erasto, deve ter sido um grande ser humano.

– Mas, afinal, por que a água quente congela antes?

– Boa pergunta, e o mais importante é você buscar a sua própria resposta para isso. O que você acha que causa o “efeito Mpemba”?

(Continua…)