Uma fotografia pode revelar mais do que simples imagens. É capaz, por exemplo, de ajudar os cientistas a reencontrarem uma espécie que estava desaparecida. Foi o que aconteceu na cidade de Mogi das Cruzes, em São Paulo. O publicitário Antônio Wuo sacou a máquina fotográfica e clicou uma pequena ave sem nem imaginar que se tratava do caboclinho-de-são-paulo, espécie da qual não se tinha notícias há mais de 100 anos.
O animal – que tem o nome científico de Sporophila bouvreuil saturata – também é conhecido como papa-capim, pois se alimenta basicamente de sementes de gramíneas. Essa ave não era avistada desde 1900. A foto que revelou o reencontro da espécie foi feita em 2004, mas só em 2006 ela foi apresentada para dois ornitólogos – cientistas que estudam as aves –, que reconheceram o animal em questão: Luiz Fernando Figueiredo e Fábio Schunck, do Centro de Estudos Ornitológicos. Como resultado, em novembro do ano passado, a bióloga Érika Machado, acompanhada por mais dois biólogos, foi buscar o caboclinho exatamente na região onde Antônio Wuo o havia fotografado dois anos antes.
Chegando em Mogi das Cruzes, Érika atraiu a espécie de uma maneira muito curiosa: ligou um gravador e deixou ecoar o canto da ave. Ouvindo o que parecia o som de seus parentes, o caboclinho rapidamente respondeu e apareceu. Érika fotografou a ave e gravou seu canto. Dias depois, voltou à área com uma equipe de ornitólogos. Ali eles deram andamento às pesquisas com o caboclinho: capturaram um casal, colocaram anilhas coloridas – anéis usados para identificar as aves –, mediram seu bico, sua asa e cauda, definiram seu peso e coletaram amostras de sangue para estudos. “O caboclinho-de-são-paulo não tinha sido considerado uma espécie extinta porque, para se afirmar isso, eram necessários alguns estudos. Além disso, não sabíamos se a espécie ainda resistia ou não em alguma várzea de Mogi das Cruzes”, conta Érika.
Agora, todo mundo sabe que o caboclinho-de-são-paulo ainda existe na natureza. Então, que tal conhecer algumas características da espécie já identificadas no passado? As fêmeas, por exemplo, são menores do que os machos. Já as cores das penas dos machos mudam logo após o período de reprodução. Essa variação é conhecida como “plumagem de eclipse” ou “de descanso reprodutivo” e pode ser observada em outras aves, como algumas espécies de patos e uma de beija-flor. No caso do caboclinho, as penas dos machos adquirem um tom semelhante ao das fêmeas, que variam do pardo ao amarelo. A cor do bico também muda de amarela para negra.
Ainda é cedo para dizer se o caboclinho-de-são-paulo é uma espécie rara. Para isso, é necessário saber a área total de distribuição da ave e avaliar o seu comportamento. Os pesquisadores acreditam que o caboclinho-de-são-paulo é uma ave migratória, que desaparece de uma região em determinada época do ano e segue para outra, em busca de alimento.
Para a ciência, as pesquisas com espécies que aparecem em cidades, como o cabloclinho-de-são-paulo, são importantes por mostrar que os grandes centros urbanos podem abrigar verdadeiros tesouros desconhecidos. Além disso, reafirmam a importância de se preservar ambientes como brejos e várzeas. “Novas espécies têm sido descobertas nos últimos anos simplesmente por acaso. Um bom exemplo é o bicudinho-do-brejo-paulista, também encontrado na região de Mogi das Cruzes, em meados de fevereiro de 2005”, diz Érika (para saber mais, clique aqui).
Então, fica o recado: mesmo que você viva em meio ao concreto das cidades, vale a pena prestar atenção aos animais que cruzam o seu caminho. Quem sabe uma foto de sua autoria não promova algum dia um reencontro como o do caboclinho-de-são-paulo?