Você teria paciência para contar todas as escamas de um peixe? Que questão, né?! Mas saiba que, diante de um bicho que pode ser de uma nova espécie, o cientista precisa estudá-lo a fundo: compará-lo com espécies próximas, para confirmar se o animal não pertence a elas, e obter informações para descrevê-lo!
Os dados necessários para descrever uma nova espécie variam de grupo para grupo de seres vivos. No caso de peixes, por exemplo, podem incluir até o número de escamas! “É comum também contar os raios das nadadeiras e estudar o esqueleto do peixe detalhadamente por meio de radiografias e do processo chamado diafanização”, explica Jansen Zuanon.
No processo de diafanização, usam-se substâncias químicas para tornar a carne do peixe transparente e corantes para tornar vermelhos os ossos e azuis as cartilagens, permitindo, assim, um estudo detalhado do esqueleto.
Na hora de comparar o animal a espécies próximas, também são analisados vários aspectos! “No caso dos papagaios, é importante comparar, por exemplo, o tamanho e a coloração”, conta Marcos Raposo. “Para aves, a vocalização também é analisada.”
Foi ao comparar a coruja coletada em 1980 com duas outras espécies, por exemplo, que se provou que ela era, até então, desconhecida pela ciência! Pelo tamanho do corpo, asa e cauda, coloração da plumagem e vocalização, notou-se que ela não era da espécie Glaucidium hardyi , como havia sido cogitado a princípio, e nem de outra, Glaucidium minutissimum . Era, sim, uma espécie nova, que ganhou o nome de caburé-de-pernambuco (Glaucidium mooreorum ).
Mas onde um cientista pode achar um bicho que possa ser de uma nova espécie? “Em campo, ele pode capturar ou ver uma espécie que não conhece e decidir tentar identificá-la”, conta Jansen Zuanon. “Muitas vezes, porém, essa nova espécie capturada pode passar despercebida, confundida com outra e ficar guardada em um museu por anos, até que um especialista, analisando-a, note que ela é uma nova espécie e a descreva.”
O caso do papagaio de cabeça careca e laranja, que você vê na foto ao lado, ilustra essas situações. Ao vê-lo, os cientistas pensaram que ele era uma nova espécie. Mas descobriram que, em 1950, um ornitólogo alemão o classificou como um jovem papagaio da espécie curica-urubu. As aves dessa espécie são carecas com a cabeça preta, mas o cientista pensou que, quando jovens, elas deviam ter a cabeça careca e laranja, como a ave que encontrou.
A classificação, porém, estava errada. Marcos Raposo e os outros ornitólogos mostraram isso ao estudar o papagaio de cabeça careca e laranja. Os cientistas descobriram que ele não podia ser um curica-urubu jovem porque tinha características típicas de adulto. Além disso, como os ornitólogos constataram, o curica-urubu, quando jovem, tem a cabeça cheia de penas verde amareladas. Ou seja, é diferente do papagaio careca e de cabeça laranja. Sem falar que a distribuição geográfica das duas aves é diferente…
Diante disso, os ornitólogos escreveram um texto, descrevendo o papagaio de cabeça careca e laranja como uma nova espécie, e o publicaram em uma revista científica em 2002, pois assim se faz o anúncio oficial da descoberta! Na ocasião, o papagaio ganhou o nome científico de Pianopsita aurantocephala!
Características de adulto
“Verificamos que o papagaio de cabeça careca e laranja não podia ser considerado jovem porque tinha órgãos sexuais maduros e era capaz de se reproduzir”, explica Marcos Raposo. “Seu crânio também estava ossificado, isto é, inteiramente formado por ossos, característica de aves adultas. As jovens têm o crânio cartilaginoso.”
Mas o que o cientista deve sentir ao fazer um trabalho como esse?
Isso você descobre lendo o terceiro e último texto da nossa série sobre a descoberta de novas espécies!