Maior ou menor pode ser relativo

Uma pequena homenagem aos que cuidam da nossa saúde

Ilustração Mariana Massarani

Eu sempre gostei de palíndromos, aquelas palavras ou frases que podem ser lidas tanto da esquerda para a direita como ao contrário. Tipo: “luz azul”. Ou então: “a mala nada na lama”. Outro dia, conversando com um colega, ele me desafiou a dizer qual era o menor e o maior palíndromo da língua portuguesa.

Como ele sabe que eu sou matemático, deve ter me imaginado contando o número de letras dos palíndromos que eu conheço para dar uma resposta. Mas fiquei pensando que nem sempre o conceito de maior e menor é tão óbvio. Por exemplo, você diria que um pianista de 2 metros de altura é maior do que outro de 1 metro e meio? Se o assunto for somente a altura, tudo bem. Mas, e se “maior” se referisse à capacidade como instrumentista ou compositor? Nesse caso, o mais alto pode não ser o maior, concorda? Aliás, sabia que o grande músico Wolfgang Amadeus Mozart tinha apenas um metro e meio de altura?  

Não resisto a uma curiosidade… Mas vamos voltar ao meu amigo, a quem respondi assim: 

– O maior palíndromo da língua portuguesa tem três letras, e o menor tem 11 letras!

E ele:

– Ficou doido? Você, que é matemático, deveria saber que 11 é maior do que três!

Eu então retruquei: 

– No mundo das palavras, o que é maior ou menor é relativo. E, lembrando o que passamos com a pandemia de covid-19, por exemplo, o valor da palavra, na minha opinião, não deve ser medido pelo número de letras.

Ele coçou a cabeça e falou:

– Então me diz aí, quais são esses palíndromos misteriosos: o maior com três letras, e o menor com 11 letras?

E lá fui eu:

– Para mim, o maior palíndromo, o que tem o maior valor, é o SUS, que é a sigla para Sistema Único de Saúde. Ele é o maior, não pelo número de letras, mas pelo que significa para a saúde no Brasil, por tantas vidas que salva todos os dias. A gente sentiu isso na pele, com as vacinas e atendimentos ao longo da pandemia, não foi?  

O meu amigo concordou, e a conversa prosseguiu:

– Verdade. Tudo bem, essa do SUS eu entendi.  Mas e o menor palíndromo com 11 letras, qual é?

– Ah, esse eu também escolhi por tudo que passamos na pandemia. A palavra é: omissíssimo.

– Omissíssimo? Isso existe? – disse ele em tom de dúvida. – Você está inventando palavras!   

– Essa palavra existe sim – eu garanti. Omissíssimo quer dizer omisso, ou negligente, ao extremo. E a gente viu, durante a pandemia, algumas pessoas que deveriam tomar medidas importantes para salvar vidas e que não tomaram. Vimos e ouvimos muitos cidadãos comuns, e até governantes, omissíssimos por aí. Por isso, essa palavra para mim é o menor dos palíndromos da nossa língua, a que tem o menor valor.

A vida vem sempre em primeiro lugar. Viva o SUS! E vida longa ao Programa Nacional de Imunização.


pedro_roitman
Pedro Roitman,
Instituto de Matemática,
Universidade de Brasília
Sou carioca e nasci no ano do tricampeonato mundial de futebol – para quem é muito jovem, isso aconteceu em 1970, século passado! Enquanto fazia o curso de Física na universidade, fui encantado pela Matemática. Hoje sou professor.

Matéria publicada em 01.09.2023

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