Cartas de um gênio da música

Em 27 de janeiro de 2007, faz 251 anos que um menino forte e saudável nasceu em Salzburgo, cidade no oeste da Áustria. Filho de Leopold e Anna Maria, o garoto foi batizado com um nome comprido e meio complicado: Johannes Chrysostmus Wolfgangus Theophilus. Para facilitar, ele passou a ser chamado no dia-a-dia de Wolfgang Amadeus, uma sugestão de seu padrinho. Mas ficou conhecido mesmo pelo sobrenome de seus pais: Mozart.

Criança-prodígio, o filho de Leopold e Anna Maria desde cedo mostrou talento excepcional para a música e hoje, anos após sua morte, é considerado um dos maiores compositores clássicos de todos os tempos (clique aqui para ouvir algumas composições de Mozart na Rádio Uol). “A obra de Mozart é conhecida em todos os detalhes. As enciclopédias e os dicionários estão cheios de interpretações e de críticas”, conta a historiadora austríaca Gloria Kaiser. Uma pergunta, porém, permaneceu: como era a personalidade desse músico? Seria ele simpático ou sisudo?

Com o intuito de revelar um pouco do lado humano de um dos maiores artistas da história, Gloria Kaiser leu mais ou menos 300 cartas que Mozart trocou com as pessoas mais importantes da sua vida: seus pais, sua irmã, sua prima, seu melhor amigo… A correspondência estava guardada em arquivos de Salzburgo e Viena – a capital da Áustria – e a historiadora teve de fazer seu trabalho em salas com temperatura de cerca de 19 graus, para garantir a conservação dos documentos. Apesar do frio, a pesquisa valeu a pena: foram selecionadas cerca de 75 correspondências, reunidas no livro Mozart, sua vida em cartas , recém-lançado no Brasil.

Como explica Gloria Kaiser, a obra revela que “Mozart foi simpático, carinhoso, jovial, de bom humor, mas também muito triste e, às vezes, desesperado”. Isso porque a vida desse gênio da música, hoje reconhecido por todos, foi extremamente difícil. De uma família muito pobre, Mozart trabalhou desde pequeno. Aos sete anos, já costumava se apresentar, na companhia da irmã Nannerll, aos nobres da Europa, tocando piano. Viajava constantemente na companhia do pai, também músico, mas em condições precárias. Por vezes, não tinha sequer o que comer. Em uma carta dirigida à sua esposa, o pai de Mozart relata o que Nannerll costumava fazer para garantir o café da manhã quando eles tinham a sorte de serem convidados para jantar na casa dos nobres a quem haviam se apresentado: “Nannerll, que é muito previdente, costuma pedir, ao jantar, mais dois pedaços de pão para levar para casa e, assim, as crianças têm o que comer de manhã. Às vezes, porém, os maitres se fazem de desentendidos e Nannerll não consegue nada. Então, simplesmente comemos maçãs que encontramos caídas nas ruas.”

À esquerda, Mozart ainda criança. À direita, o músico já adulto.

Infelizmente, o talento de Mozart não foi suficiente para melhorar sua vida. Embora hoje o músico seja considerado um gênio, ele não chegou a ser famoso em sua época. Trabalhava dia e noite compondo músicas por encomenda, dando aulas ou fazendo apresentações, pois não tinha um emprego fixo, algo com que seu pai sempre sonhou, por saber como era dura a vida de um músico que não fosse contratado por uma corte ou pela igreja. “Na época, ainda não existiam direitos autorais. Isso significa que uma obra, uma vez vendida e paga, era de propriedade da pessoa que a havia encomendado e, quando apresentada várias vezes, o compositor não tinha direitos de autor e não participava dos lucros sobre ela. Por isso, Mozart trabalhou muito, sendo toda a vida mais ou menos dependente dos nobres e da igreja, que eram os que faziam mais encomendas”, conta Gloria Kaiser.

Canções para dançar, sinfonias, marchas, minuetos… Foram muitas as composições feitas por Mozart para serem vendidas. Um de seus trabalhos mais conhecidos, por exemplo, são as músicas da ópera A flauta mágica . Alertado por um amigo de que seu nome não aparecia com o devido destaque no programa do espetáculo, Mozart deu uma lição de humildade e desapego aos guinéus, o dinheiro da época, em carta presente no livro de Gloria Kaiser. Disse ele: “Para mim, o período em que trabalhei nessa ópera foi muito bom; eu não percebia nada ao meu redor e vivia apenas para compor. E, por mais cansado que eu esteja, para lhe ser franco, não é importante para mim que no programa do teatro se leia: ‘A Flauta Mágica, magnífica ópera de Emmnauel Schikaneder’. Ali, também está escrito, embora em letras menores: ‘Música de autoria do senhor Wolfgang Amadeus Mozart’. Se realmente acontecer o que você teme, um conflito entre mim e Schikaneder por causa dos guinéus, então eu confio em você para cuidar desse assunto. Eu não tenho forças para um batalha legal em torno de dinheiro.”

Três meses após concluir A flauta mágica, Mozart morreu de febre reumática, pouco antes de completar 36 anos. Curiosamente, hoje quem escreve “A flauta mágica” em qualquer ferramenta de busca da internet vê que a obra é sempre associada, em primeiro lugar, a Mozart. Como se vê, o tempo trouxe o reconhecimento que o músico tanto merecia e o destaque que seu amigo queria que seu nome tivesse tido no passado.

Mozart, sua vida em cartas
Compilação e adaptação de Gloria Kaiser.
139 páginas. Editora Reler.

O livro não é voltado para crianças, mas as cartas têm tudo para atrair o seu interesse. Duas ou três correspondências, porém, podem ser consideradas inadequadas para a sua idade por seus pais. Converse com eles sobre isso!

Matéria publicada em 25.01.2007

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Mara Figueira

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