Delícias do passado descobertas no presente

♫ Tomo guaraná, suco de caju, goiabada para sobremesa ♫

Já ouviu alguém cantarolando essa música? Ela é do cantor e compositor carioca Tim Maia, que viveu de 1942 a 1998, e fez muita gente dançar. Mas a conversa aqui não é exatamente sobre música e sim sobre delícias da nossa terra, como o guaraná, o caju, a goiaba e muitas outras, que – acredite! – já faziam parte da culinária dos povos que habitavam o Brasil muito tempo atrás!

Ilustração Walter Vasconcelos

Se você está se perguntando como é possível saber sobre a culinária dos nossos antepassados, anote! Existe uma área de pesquisa chamada arqueobotânica, que estuda os vestígios de vegetais utilizados pelas pessoas há dezenas, centenas e até milhares de anos. Esses vestígios são descobertos em sítios arqueológicos – que são locais onde ficaram preservadas amostras de atividades humanas realizadas há muito tempo.

Alguns desses sítios arqueológicos guardam pistas sobre os vegetais que os nossos antepassados cozinhavam. Neles, já foram encontrados vestígios como carvão em restos de fogueiras e partículas microscópicas de alimentos que ficaram grudadas em utensílios de cozinha. Sabe quando um pedaço de comida fica no fogo por muito tempo e carboniza, ou algo queima no fundo da panela? Pois é mais ou menos assim que esses vestígios se preservaram. A análise desses materiais é feita por especialistas em laboratórios com microscópios muito potentes e permite identificar de qual vegetal era cada vestígio de comida do passado.

Lívia Coutinho, estudante de Biologia da UFRJ, analisa amostras
de carvão. Na luz do microscópio, as paredes celulares de um
carvão de cajueiro parecem listras brancas.
Foto Projeto Arqueobotânica em Formação, LAP/UFRJ
Foto Rita Scheel-Ybert, LAP/UFRJ
Ampliados ao microscópio, vemos grãos de amido de mandioca (à esquerda) e milho (à direita) como os recuperados em
objetos encontrados nos sítios arqueológicos.
Fotos Célia Boyadjian e Yari Scheel-Ybert, LAP/UFRJ, respectivamente

Gostosuras milenares

Pesquisas têm mostrado que a diversidade de alimentos no Brasil há milhares de anos era muito grande, e que muito do que consumimos hoje já fazia parte dos cardápios de antigamente. E estamos falando de antigamente mesmo! Já havia pessoas por aqui há mais de 20 mil anos criando receitas com as delícias vegetais que encontravam.

O guaraná, o caju e a goiaba da música do Tim Maia, por exemplo, já existiam por aqui nesse tempo. Certamente não como refrigerante, suco ou goiabada, mas estavam aqui. Não podemos afirmar que essas comidas eram consumidas da forma como fazemos hoje. Afinal, a culinária e o paladar dependem da cultura de cada grupo de pessoas. Então, acreditamos que o sabor dos pratos que nossos antepassados preparavam com esses ingredientes era diferente do que nós preparamos. Mas o que importa saber é que os alimentos já existiam e faziam parte da culinária da época.  

Cardápio variado

A lista de plantas que fazem parte do nosso dia a dia, e provavelmente também fez do cotidiano dos povos do passado do Brasil, é bem grande. Quer alguns exemplos? Batata-doce, arroz, feijão, milho, mandioca, inhame, cará, abóbora, pinhão, taioba, pimenta, amendoim, castanha-do-pará, goiaba, araçá, fruta-do-conde, abacaxi, maracujá, caju, guaraná, cupuaçu, graviola, jenipapo, pequi, erva-mate, pupunha, açaí, buriti, butiá… Ah, que vontade de fazer uma pausa na leitura e buscar uma dessas delícias, hein?!

Por essa pequena lista, a gente consegue perceber como era grande a diversidade de alimentos. E veja só que interessante: os povos do passado já conheciam e apreciavam até o cacau, que é a principal matéria-prima do chocolate! 

Cada um desses vegetais possui variedades, ou seja, tipos diferentes com alguma característica própria. Vocês já viram batatas e milhos coloridos? Ou pimentas de muitos tamanhos, formas e cores diferentes? É disso que estamos falando.

Os grãos coloridos do milho do tipo “crioulo” mostram a diversidade existente nas Américas.
Foto Wikipédia

Receitas saborosas

Hoje em dia a gente come tudo isso das mais variadas formas. Só entre esses exemplos que citamos, as possibilidades são infinitas: as batatas-doces podem ser fritas, assadas, cozidas; arroz e feijão, os queridinhos do povo brasileiro, são uma refeição por si só e nos acompanham em muitas ocasiões; do milho se faz pipoca, bolos, pães, polenta e pamonha; a mandioca (há quem chame de aipim ou macaxeira) pode ser cozida, frita ou se transformar em deliciosas farofas, tapiocas e sagu; abóboras podem ser assadas, refogadas, cozidas e delas se faz quibebes (ou purês) e escondidinhos; inhame, cará, pinhão e taioba são deliciosos de todas as maneiras que se pode imaginar; e tudo isso fica ainda melhor com uma pimenta – para quem gosta, é claro!

Para petiscar, amendoim, castanha-do-pará e de caju são imbatíveis. E as frutas, como se não bastasse a delícia que são naturalmente, ainda viram sucos, vitaminas, sorvetes, doces e geleias. Quem não quiser um suco pode beber mate gelado ou um delicioso chocolate quente.

São muitos os vegetais e deles é possível preparar muitas comidas diferentes. O tempo passa e a variedade de receitas só aumenta! Salgado, doce, amargo, tudo misturado… tem para
todos os paladares. 

A existência de toda essa diversidade é uma informação interessante, que nos leva a acreditar que no passado também existiam receitas para todos os gostos. Talvez algumas fossem até parecidas com as nossas, outras bem diferentes. Uma curiosidade para pensar é que nossos queridinhos, o arroz e o feijão, provavelmente não eram consumidos por essas pessoas de forma combinada – inclusive o arroz de que temos vestígios era uma variedade diferente do nosso tradicional. Mas não tem problema, não faltavam acompanhamentos! Quem sabe um feijão com farinha de mandioca já caía bem naquela época?

Mestres-cucas do passado

Os estudos mostram que os nossos antepassados coletavam, plantavam e cozinhavam muitos vegetais que conhecemos hoje, e temos vestígios de que criavam formas diversas de consumi-los. Ainda não temos meios para descobrir suas receitas, as combinações de ingredientes e os sabores de suas comidas, mas… Tudo bem! Toda cozinha tem seu segredo e valor, não é mesmo? Mestres-cucas costumam mesmo ter fama de nunca passar uma receita completa… Quem sabe pesquisando mais a gente descobre e escreve um livro de receitas do passado?

Leonardo Waisman de Azevedo
Célia Helena Cezar Boyadjian
Taís Cristina Jacinto Pinheiro Capucho
Rúbia Graciele Patzlaff
Rita Scheel-Ybert
Museu Nacional
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Matéria publicada em 30.09.2022

COMENTÁRIOS

  • Luiz

    As revista é muito legal para ler

    Publicado em 24 de setembro de 2023 Responder

  • HENRICO OLIVEIRA VALETE DA LUZ

    Eu , Henrico achei mais interessante as pesquisas tem mostrado que a diversidade de alimentos , no Brasil há milhares de anos era muito grande . Muito dos alimentos que consumimos hoje ja fazia parte dos cardapios de antigamente , e estamos falando de nada mais nada menos que há 20 mil anos atras.

    Publicado em 30 de outubro de 2023 Responder

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admin

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