Arqueobotânica: plantas e conhecimentos sobre o passado!

A gente vai à escola e tem aula de português, matemática, ciências, história, geografia… ufa! Tudo num dia só! Às vezes, a gente até duvida que consegue guardar tantas informações diferentes na memória, não é? Mas imagine você que algumas pessoas, quando se tornam adultas, resolvem se dedicar a uma área que reúne praticamente todos esses conhecimentos: a arqueobotânica! Quer saber mais? Então, vem!

Ilustração Daniel Bueno

Você termina o café da manhã, escova os dentes depressa e corre para a escola! A professora parece animada e pede a todos que abram o livro de ciências. O tema de hoje é botânica, vamos estudar as diferentes partes das plantas e descobrir o que são células vegetais. O sinal do recreio toca, você come o lanche e fica de olho na hora de voltar para a sala. Agora, vamos à aula de geografia: a professora apresenta o tema paisagens e fala dos tipos de vegetação. Logo em seguida, faremos um passeio pela história, para investigar como os recursos vegetais – isto é, as plantas para diversas finalidades, incluindo a alimentação – eram produzidos, consumidos e comercializados pelas pessoas no passado.

Que dia cheio você teve, hein? Agora, já pensou se uma única área pudesse reunir tudo isso? Pois, pode! Essa área se chama arqueobotânica! Ainda não é uma disciplina que a gente estude na escola, mas é uma área em que você pode se tornar especialista quando crescer. Quer entender melhor como é isso de se tornar especialista?

De uma maneira simples, significa escolher uma profissão a seguir e, em seguida, aprender muito sobre ela. Primeiro, você faz uma faculdade para estudar arqueologia – a ciência que trata da vida de sociedades do passado a partir de evidências materiais (coisas de todo tipo, como objetos, construções e comidas) deixadas por elas. Depois, você se especializa em arqueobotânica, área da arqueologia que estuda os vestígios vegetais descobertos em sítios arqueológicos.

A arqueobotânica analisa uma enorme diversidade de vestígios, como carvões de lenhas de fogueiras, objetos ou construções de madeira e fibras vegetais, restos de alimentação e até restos microscópicos das plantas que foram usadas naquele lugar. Ela une conhecimentos das ciências naturais e humanas para estudar como as pessoas utilizavam as plantas no passado, o que elas plantavam, colhiam e comiam, e como eram as paisagens em que viviam.

Ilustração de Alessandra Muzitano, Museu Nacional/UFRJ.

Antraco… o quê?

Uma das especialidades da arqueobotânica é a antracologia. O nome pode lhe soar estranho, mas a explicação é fácil: trata-se da área que estuda os vestígios de lenhas e madeiras queimadas ou o que restou delas, os carvões!

Graças à integração de conhecimentos, os carvões nos levam a muitas descobertas! Eles nos permitem saber a árvore da qual veio a madeira que queimou. Incrível, não é? Mas como isso funciona?

Veja: todos os seres vivos são formados por componentes microscópicos chamados células. A madeira, que é um vegetal, é composta por células vegetais. Essas células ficam juntinhas, milhões delas, e assim dão forma e sustentação às árvores. Apesar de minúsculas, essas células têm paredes duras e contém elementos que mantém o vegetal vivo. Quando a madeira queima, essas células perdem o conteúdo, mas mantêm a forma – ficam como caixinhas vazias! É por isso que o carvão é duro e tem uma aparência similar à madeira.

Observando um carvão no microscópio, a gente consegue ver a organização das células vegetais, uma ao lado da outra, da mesma forma que elas estavam na madeira antes de queimar. No laboratório, o trabalho da antracologia é descrever essas células e suas posições. Os pedaços de carvão são tridimensionais, então sua descrição é feita observando as mesmas células em três lados diferentes: de cima, de frente e pela lateral.

Cada tipo de árvore possui uma anatomia, isto é, uma constituição própria, diferente das outras. Como a gente conhece bem a anatomia das árvores modernas, podemos compará-las com as descrições dos carvões arqueológicos e descobrir sua origem!

Carvão de Calophyllum inophyllum em imagem de microscopia eletrônica de varredura. As linhas e áreas em tons claros são as paredes celulares, enquanto os espaços escuros são o interior vazio das células. É como se observássemos o ponto de encontro de dois lados em um cubo: as células que observamos na parte de cima, têm continuidade do lado.
Fotografia cedida pela Dra. Emilie Dotte-Sarout, University of Western Australia.

Carvões contam história

Depois da identificação de cada carvão, juntamos os dados e conseguimos estimativas para reconstituir as paisagens do passado. Quando se consegue informações sobre as árvores que existiam em uma época, dá para formular hipóteses, ou seja, supor como eram as formações vegetais, o clima e como as pessoas da época lidavam com o ambiente. Além disso, os carvões permitem descobrir o tipo de lenha que as pessoas coletavam, como faziam isso, suas tecnologias de fogueiras, motivações e preferências por lenhas específicas e outras práticas sociais relacionadas ao fogo.

Temos várias pesquisas desse tipo desenvolvidas no Brasil, que descobriram com que plantas lidavam as pessoas que viviam em território brasileiro há milhares de anos. Veja esses exemplos…

Os sambaquianos – essas sociedades que viveram no litoral brasileiro, desde 10 mil até cerca de mil anos atrás, utilizavam e manejavam árvores da Restinga, típicas das praias. Também plantavam e colhiam tubérculos e frutas, e há um caso em que escolheram a madeira aromática de uma espécie de canela (Ocotea sp, da família Lauraceae) para utilizar em um ritual funerário.

Imagens de microscopia eletrônica de varredura de um fragmento de Ocotea sp. (à esquerda) e de um cará (tubérculo do gênero Dioscorea, à direita) descobertos em sambaquis do litoral brasleiro.
Rita-Scheel-Ybert

Os proto-Jê – nas terras altas do Planalto Meridional, que fica na região Sul do Brasil, essas sociedades são consideradas como elementos essenciais para a composição da Mata de Araucárias, onde manejavam a vegetação e plantavam seus alimentos há milhares de anos. Nessa paisagem, por motivos culturais de seus costumes e religiosidade, escolhiam madeiras de ingá (Inga sp, da família Fabaceae), jacarandá (Jacaranda sp, da família Bignoniaceae), bambus (que pertencem à família das gramíneas Poaceae) e palmeiras (plantas cuja família se chama Arecaceae) para usos específicos em algumas de suas fogueiras.  

Fotografias de microscopia de luz refletida de fragmentos de Inga sp. (à esquerda), palmeira com sinais de apodrecimento (no centro) e um ramo de bambu (à direita), descobertos em sítios arqueológicos Proto-Jê, no Rio Grande do Sul.
Leonardo Waisman de Azevedo

Os proto-Tupinambá – em um Rio de Janeiro de 3 mil anos atrás, essas sociedades horticultoras utilizavam e manejavam diversas árvores da Mata Atlântica. Além de usarem as plantas para diversos fins, inclusive medicinais, coletavam a lenha para as fogueiras de suas casas e para queimar cerâmicas. Para as fogueiras de seus rituais de sepultamento, utilizavam cascas de árvore, produzindo fogos especiais e super potentes, muito mais fortes que os das fogueiras cotidianas. 

Imagem de microscopia eletrônica de varredura de um fragmento de casca carbonizado, descoberto em um sítio Proto-Tupinambá do Rio de Janeiro.
Rita Scheel-Ybert.

Conhecimentos costurados

Podemos estudar carvões de qualquer lugar, porque onde há uma fogueira, há espaço para pesquisas! E olha só quanta informação se encontra dentro de um carvão! E quantas disciplinas que estudamos estão dentro da antracologia! Agora, pense aí como muitos conhecimentos da escola são unidos para dar conta de novas descobertas não só na arqueobotânica, mas em todas as áreas da ciência!

Leonardo Waisman de Azevedo e Rita Scheel-Ybert
Museu Nacional
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Matéria publicada em 31.10.2023

COMENTÁRIOS

  • julia spencer oliveira

    ola chc
    eu não sabia que a partir de um carvão é possível se descobrir tanta coisa.

    Publicado em 4 de novembro de 2023 Responder

  • Maria Rita

    Olá, CHC!
    Gostei muito dessa publicação, achei interessante. Obrigada!
    Beijos

    Publicado em 9 de novembro de 2023 Responder

  • Julio Cesar de S

    Maravilhoso trabalho, parabéns por divulgar de forma simples, um tema tão complexo e relevante para arqueologia do Brasil!

    Publicado em 10 de novembro de 2023 Responder

  • Livia Maria

    gostei muito e la na escola de vez em quando eu e meus amigos pegamos as revistas CHC e brincamos de escolinha eu na maioria das vezes
    sou a prof e leio para eles

    beijos de Livia Maria estudante do 6 ano para
    CHC

    Publicado em 21 de novembro de 2023 Responder

  • Rebeka Bispo

    Maravilhoso trabalho vou divulgar para todo Brasil parabéns 😍💕

    Publicado em 22 de novembro de 2023 Responder

  • Rebeka Bispo

    Melhor revista do mundo

    Publicado em 22 de novembro de 2023 Responder

  • Analaura

    Olá chc omeu nome é analaura é eu amei o artigo que eu li tchau 👋

    Publicado em 24 de novembro de 2023 Responder

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