13 de maio ainda seria data para celebrar?

Em 13 de maio de 1888 foi assinada Lei Áurea, documento que acabou oficialmente com a escravidão no Brasil. Por muitos anos a data foi considerada feriado, com direito a comemorações em várias cidades pelo país, principalmente no Rio de Janeiro. Mas o tempo passou e os afrodescendentes não viam mais nessa data um motivo de comemoração, afinal de contas ficava a falsa impressão de que a Princesa Isabel, exclusivamente por sua vontade, teria dado a liberdade aos negros escravizados. Por que falsa impressão? Vale a pena saber um pouco mais sobre essa história!

Era um domingo de sol, à tarde, quando uma multidão ocupou o Largo do Paço, no centro do Rio de Janeiro, à espera do grande evento: a assinatura da lei que acabaria com a escravidão. A princesa veio de Petrópolis, especialmente para essa assinatura, e utilizou uma caneta cheia de diamantes, comprada através de uma ação coletiva (uma espécie de “vaquinha” dos dias de hoje) promovida por um professor de matemática. Ele conseguiu que mais de três mil pessoas doassem uma pequena quantia, uma forma de outras pessoas também participarem do ritual da assinatura da lei.

Comemoração no Paço, após a assinatura da Lei Áurea.
Foto Antonio Luiz Ferreira/Wikipédia

A data do 13 de maio de 1888 era o fim de uma antiga batalha de diferentes pessoas. Por que antiga? Porque, desde que a escravidão passou a existir, sempre houve escravizados resistindo e buscando a liberdade.

Antes da Lei Áurea, escravos, ex-escravos e seus descendentes – apoiados por alguns jornalistas, escritores, políticos, advogados e religiosos que eram a favor da abolição – conseguiram apoio para aprovar outras leis para reduzir a presença da escravidão, como a que determinava o fim do tráfico de negros da África para o Brasil, a que libertava as crianças nascidas de mãe escrava a partir de 1871 e a que também considerava livres os escravizados com mais de 60 anos, esta de 1885.

Mas era preciso uma lei mais específica para colocar um ponto final definitivo na escravidão e, em 1888, todos aqueles que já estavam na luta pela abolição conseguiram mais e mais apoiadores por todo o Brasil. Foi assim que veio a Lei Áurea.

O processo para aprovação dessa lei durou poucos dias: três discussões na Câmara dos Deputados e mais algumas no Senado, sendo a última no próprio domingo, 13 de maio, feita na parte da manhã. De tarde, a Princesa Isabel assinou no documento oficializando o fim da escravidão.

A multidão que ocupava o Largo do Paço comemorou muito é claro. E a história deu mais valor à assinatura da lei pela princesa do que à organização dos abolicionistas para conquistar o fim da escravidão.

Sessão do Senado em que se aprovou a Lei Áurea.
Foto Wikipédia
Missa Campal pela Abolição da Escravatura no Brasil (detalhe).
Foto Antonio Luiz Ferreira/Wikipédia

Depois da liberdade

O número de negros escravizados libertados pela Lei Áurea é incerto, porque muitos “senhores” se anteciparam e libertaram seus escravos às vésperas da abolição, na esperança de mantê-los em suas propriedades com contratos de trabalho. Ainda assim, alguns pesquisadores falam em torno de 500 mil libertados pela lei, um número pequeno diante da quantidade de escravos que o Império do Brasil tinha décadas atrás.

Mesmo assim, a lei causou uma profunda mudança na sociedade do Império. O fim da escravidão afetava a economia, porque os donos de terras, que usavam mão de obra escrava em suas plantações (especialmente nas de café, principal produto que o Brasil vendia aos outros países) teriam de pagar para as pessoas trabalharem para eles. Da mesma forma, afetava a organização social, uma vez que os homens e mulheres escravizados, que faziam trabalhos dos mais variados, principalmente nas cidades, não precisariam mais fazê-los.

Não há dúvida do impacto da abolição na economia e na sociedade, mas essa medida não previu nada além da liberdade. Ou seja, não indenizou os senhores – sim, os “donos de escravos” queriam que o governo pagasse a eles pela mão de obra que estavam perdendo. Também não indenizou os escravos pelos anos de trabalho forçado e por todas as dores sentidas no corpo e na alma.

Após as inúmeras festas que ocorreram pela cidade do Rio de Janeiro, sede do Império, pela abolição, os debates políticos eram para que houvesse uma lei que obrigasse esses libertos a trabalhar, já que muitos deputados acreditavam que eles não estariam dispostos ao trabalho.

Na verdade, o que se viu na cidade e no campo foi a continuidade da atividade desses trabalhadores, anteriormente escravizados. No ano seguinte, o Império acabou, veio a República, também sem propostas que pudessem transformar a vida dos ex-escravos e seus descendentes.

13 de maio ou 20 de novembro?

O Brasil foi o último país independente, do continente americano, a abolir a escravidão em seu território. Diante das poucas mudanças que o 13 de maio trouxe para os ex-escravos e seus descendentes, a data foi perdendo o seu brilho.

Para aqueles que continuam na luta pela igualdade de condições entre negros e não-negros na sociedade brasileira, parece fazer mais sentido o Dia da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro. Esta é data em que morreu Zumbi dos Palmares, negro que lutou pela liberdade de seu povo e foi líder do maior quilombo (centro de refúgio de escravos) brasileiro, o Quilombo dos Palmares, no interior de Pernambuco. A imagem de resistência de Zumbi alimenta muito mais os sonhos de justiça e igualdade do que a imagem de benfeitora dada à Princesa Isabel.

A Lei Áurea.
Acervo Arquivo Nacional
Monumento em homenagem a Zumbi dos Palmares, no
Rio de Janeiro.
Foto Halley Pacheco de Oliveira/Wikimedia Commons

Na prática, não havia outro modo de a escravidão acabar se não fosse através da Lei Áurea. Além disso, o 13 de maio foi, no seu tempo, a grande conquista daqueles que lutaram pela abolição, entre eles escravos, ex-escravos e seus descendentes diretos. Isso pode nos fazer considerar que tanto o 13 de maio, quanto o 20 de novembro servem para pensar e representar as lutas atuais: pela liberdade vinda por meio da Lei Áurea, resultado de uma pressão da sociedade e resistência dos escravizados e da luta de séculos antes da abolição; pela união, simbolizada pelos negros que se reuniam no Quilombo de Palmares, que tinha Zumbi como líder. O que você acha?

Renata Figueiredo Moraes,

Departamento de História do Brasil
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Matéria publicada em 22.05.2019

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