A Revolta da Vacina

Hoje, se uma nova vacina é criada e o governo aconselha a população a tomá-la, ninguém fica indignado. A maioria das pessoas até corre para os postos de saúde com o intuito de se livrar logo da ameaça de pegar uma doença. Mas, há exatos 100 anos, uma lei que obrigava as pessoas a tomar uma vacina causou o maior rebuliço na cidade do Rio de Janeiro: foi a Revolta da Vacina, uma verdadeira rebelião que tomou conta das ruas.

A charge acima ilustra a revolta da população contra Oswaldo Cruz - o personagem de bigodes ao centro, montado em uma seringa. Nascido em 5 de agosto de 1872, em São Luís do Paraitinga (SP), Oswaldo Cruz era médico especializado em saúde pública. Em 1903, foi escolhido pelo governo federal para o cargo de Diretor de Saúde Pública. Nesse cargo, fez várias campanhas contra doenças, sobretudo no Rio de Janeiro, onde combateu várias epidemias. Morreu em 11 de fevereiro de 1917, em Petrópolis (RJ).

Quem teve a idéia de obrigar toda a população da cidade do Rio de Janeiro a se vacinar contra a varíola foi o médico Oswaldo Cruz , então Diretor de Saúde Pública ‐ cargo equivalente, hoje, ao de Ministro da Saúde. Havia sempre surtos da doença na cidade e, por isso, a sugestão de Oswaldo Cruz virou lei, aprovada pelo governo federal em 31 de agosto de 1904.

A vacinação era feita pela brigada sanitária, que era uma comissão de empregados da área de saúde preparados para executar esse serviço. Eles entravam na casa das pessoas e vacinavam todos que lá estivessem, uma forma de agir que indignou a população. Os jornais criticavam a nova lei e cada vez mais incentivavam as pessoas a tomar alguma providência contra ela. Como a maioria da população não tinha acesso à educação e muitos nem sabiam ler, a imprensa usava charges e caricaturas ‐ ilustrações engraçadas ‐ para traduzir o que queria dizer. Oswaldo Cruz virou o alvo de muitos desses desenhos.

O Rio de Janeiro durante a Revolta da Vacina. Em 1904, a cidade era a capital do país e vivia os primeiros anos da República. Ela passava então por uma intensa reforma para ficar mais bonita e agradável de se viver. Nos portos do Rio, muitas negociações eram feitas, mas os estrangeiros que desembarcavam não ficavam com uma boa impressão: encontravam uma cidade feia, com esgoto a céu aberto, famílias vivendo juntas em casas muito pequenas e doenças graves como a varíola. A saúde pública era um dos principais problemas do país. Por isso, algumas medidas precisavam ser tomadas para melhorar a situação, entre elas, campanhas de vacinação, como a sugerida por Oswaldo Cruz.

Então, no dia 10 de novembro de 1904, por causa da obrigatoriedade da vacinação ‐ e também porque muitas pessoas estavam descontentes com as obras que o governo andava fazendo na cidade ‐, militares, políticos, intelectuais e a população insatisfeita saíram às ruas para protestar. Primeiro, no centro do Rio de Janeiro. Depois, por vários bairros da cidade. A maior concentração aconteceu no bairro chamado Saúde, onde as pessoas estavam mais indignadas com a situação. A revolta durou uma semana e o saldo foi assustador para a época: 110 feridos, 945 presos, 461 deportados para o Acre e 30 pessoas mortas.

Para Carlos Fidélis, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e coordenador das comemorações do centenário da Revolta da Vacina, a manifestação foi um exemplo de cidadania, já que a população deixou clara sua insatisfação com o governo. A cidade, no entanto, estava uma bagunça e, então, foi decretado que o Rio de Janeiro estava em estado de sítio, o que significa que passava por um período de grave perturbação da ordem.
Nessa situação, algumas leis podem ser anuladas para que a paz volte. Como resultado, a lei da vacinação obrigatória foi suspensa e as pessoas, aos poucos, acalmaram-se. No final das contas, a lição que ficou foi que Oswaldo Cruz não estava inteiramente errado: a vacinação era necessária ‐ a maneira com que foi feita é que chocou a população. Prova disso é que, pouco tempo depois, de 1907 a 1908, nova epidemia de varíola aconteceu e as pessoas seguiram de livre e espontânea vontade para os postos de vacinação. Afinal, as vacinas são grandes aliadas da nossa saúde!

Para marcar o centenário da Revolta da Vacina, a Fundação Oswaldo Cruz preparou uma exposição. A mostra traz cartazes ilustrados com informações sobre a rebelião popular, microscópios que podem ser utilizados pelos visitantes, mostruários com frascos de vacinas, o aparelho utilizado para a vacinação contra a varíola e uma réplica do mosquito causador da dengue, com mais de 2 metros de altura. Há ainda um laboratório instalado para quem quiser observar passo a passo como se prepara uma vacina.

Exposição 100 anos da Revolta da Vacina: cidadania, ciência e saúde.
De terça a domingo, das 12h às 19h. Até 16 de Janeiro de 2005. Grátis!
Centro Cultural Correios – Rua Visconde de Itaboraí, 20, Centro, Rio de Janeiro/RJ.