Se havia alguém que ia constantemente à casa do cientista inglês Charles Darwin, essa pessoa era o carteiro. Ao menos essa é a impressão que fica ao sabermos que o pesquisador que inventou a teoria da seleção natural, uma das mais importantes da história da ciência, correspondeu-se com quase duas mil pessoas ao longo de seus 73 anos de vida.
Porém, se isso já é interessante, mais ainda é saber que cerca de cinco mil cartas recebidas e enviadas por Charles Darwin estão na internet. No endereço www.darwinproject.ac.uk , a correspondência de um dos maiores cientistas de todos os tempos encontra-se disponível, em inglês, para quem quiser lê-la. Se você, porém, não sabe falar essa língua, não se preocupe: a CHC vasculhou os registros e encontrou relatos de Darwin feitos na infância, durante a viagem pelo mundo que o ajudou a criar a famosa teoria da seleção natural e até algumas que falam… do Brasil!
Você sabia, por exemplo, que Charles Darwin não era muito fã de um banho? Pois é o que revela uma carta escrita por ele, do alto de seus treze anos, a um amigo. Nela, o então menino revela que sua irmã Caroline lhe interrogou sobre sua falta de asseio. A menina quis saber, primeiro, se o irmão se lavava todo dia. Diante da resposta negativa, ela quis saber com que freqüência Darwin via água. Só uma vez por semana, disse o garoto, que acrescentou ainda que não lavava os pés todos os dias, não.
Caroline o repreendeu e Darwin disse que iria começar a lavar, então, o pescoço e os ombros. A irmã, claro, afirmou que era melhor que ele se lavasse por completo, mas quem disse que o garoto aceitou a sugestão? Jurou que não o faria, ainda mais porque ele não conseguia entender tanta preocupação com higiene já que, na escola, só tinha de lavar os pés uma vez por mês, o que, até mesmo na sua opinião, era asqueroso. Resultado da discussão? Caroline jurou que não sentava mais perto de Darwin por conta do cheirinho de falta de banho…
Se o garoto cresceu e mudou de hábitos, não dá para afirmar, ao menos pelas cartas que pesquisamos. O certo, porém, é que Darwin, aos 22 anos, quase não embarcou na viagem que mudaria sua vida: a realizada pelo Beagle , navio que partiu da Inglaterra no final de 1831, com destino à América do Sul. Nessa expedição, Darwin trabalhou como naturalista, tendo a função de observar e estudar as características geológicas e naturais dos locais visitados.
Luta pela sobrevivência
A partir de tudo o que viu durante a trajetória do Beagle , o jovem inglês supôs que os seres vivos se modificavam e que se adaptavam ao ambiente em que viviam. Esses dois fatos o auxiliaram a chegar, anos depois, à conclusão de que os seres vivos lutam pela sobrevivência e o vencedor é a espécie melhor adaptada ao ambiente, a idéia base da teoria da evolução pela seleção natural.
Mas por que Darwin quase não foi nessa viagem que seria tão importante na sua vida? Por causa do pai, Robert. Ele listou dez motivos para o filho não ir. Entre eles, afirmou que provavelmente já haviam oferecido o posto de naturalista do Beagle para outras pessoas e o fato de elas não terem aceitado a oferta indicava que havia algum sério problema com o navio ou com a expedição.
Disse ainda que uma viagem como aquela era uma perda de tempo e até algo pouco respeitável para alguém que, como Darwin, estava estudando para se tornar sacerdote. Além disso, como o jovem já havia abandonado a faculdade de medicina, seu pai acreditava que viajar como naturalista significava novamente uma mudança de carreira, o que ele não via com bons olhos.
Robert Darwin, porém, não disse um “não” definitivo. Em vez disso, sugeriu que Darwin pedisse a opinião do pai de sua futura esposa, Emma. E não é que Josiah Wedgwood foi favorável à viagem? Em uma carta, ele rebate cada um dos argumentados dados por Robert e diz: “não vejo outra forma de jogar mais tempo fora do que ficar em casa”. Assim sendo, Darwin acabou embarcando no Beagle , chegando até mesmo ao Brasil, onde visitou lugares como Fernando de Noronha, Bahia e Rio de Janeiro. E sabe o que ele disse sobre o nosso país?
“Ninguém pode imaginar nada mais bonito do que a antiga cidade da Bahia”, disse, referindo-se, na verdade, a Salvador. “É uma das mais magníficas vistas do Brasil”, completou. Em meio à correspondência de Darwin, aliás, é possível encontrar algumas, escritas durante sua passagem pelo Rio de Janeiro, em que se lê, no cabeçalho: Baía de Botafogo. Em uma delas, ele escreve: “é muito interessante ver a maneira como vivem os brasileiros. Florestas, flores e pássaros, eu os vi em grande perfeição, e o prazer de observá-lo é infinito.”
Ler as cartas de Darwin é viajar no tempo e conhecer um pouco mais sobre o pensamento e o jeito de ser de um dos cientistas mais famosos de todos os tempos. Fica a sugestão, então, para que, no futuro, a correspondência do pesquisador possa ser lida em diferentes idiomas. Afinal, esse é um tesouro para toda a humanidade.