Aventurar-se na floresta, trabalhar com grandes cientistas e dirigir um museu não eram atividades tipicamente femininas no início do século 20. Naquela época, as mulheres tinham muito menos espaço na ciência e, para seguir uma carreira científica, precisavam de muita coragem e determinação. Pois hoje você vai conhecer a história de uma mulher que teve isso de sobra: a zoóloga alemã Emilia Snethlage, que veio para o Brasil em 1905.
A primeira instituição brasileira em que Emília trabalhou foi o Museu Paraense, em Belém, onde uma de suas atividades principais era organizar os espécimes de pássaros amazônicos coletados por outros cientistas. Além de levantar os documentos que já existiam sobre o tema, ela mesma classificou vários animais e preparou o Catálogo das aves amazônicas, uma das obras mais importantes sobre o assunto.
Aos poucos, ganhou espaço na instituição, chefiou a seção de zoologia e até se tornou a primeira mulher a ser diretora de um museu no Brasil, em 1914. Viajou muito pela região, coisa que as mulheres também não costumavam fazer naquela época.
Sua viagem mais famosa foi uma travessia, a pé, entre os rios Xingu e Tapajós, em 1909. Emília foi acompanhada apenas por índios – a região ainda não havia sido percorrida por nenhum branco – e passou por poucas e boas durante a aventura: além de se perderem no meio do mato, a comida que levavam acabou, a água era escassa e até uma onça apareceu perto do acampamento!
Durante a travessia, que durou mais de quatro meses, Emília fez mapas importantes que traçavam o curso do rio Jamanxim, sobre o qual ninguém ainda tinha conseguido muitas informações. Além disso, ela conseguiu muitas informações sobe as tribos indígenas que encontrou pelo caminho e publicou um trabalho importante sobre as línguas faladas nas tribos.
A “senhorinha doutora”, como ficou conhecida, continuou se aventurando por aí mesmo depois de sair do Museu Goeldi. Emília assumiu, em 1922, o cargo de naturalista viajante no Museu Nacional, no Rio de Janeiro, e desbravou Maranhão, Espírito Santo, Minas Gerais, Bahia, Paraná, Rio Grande do Sul, Argentina e Uruguai, entre outros lugares.
Com tanta garra e trabalhos importantes, vejam só, Emília foi confundida com um homem e, um dia, recebeu uma carta endereçada “ao doutor Emilio Snethlage”. Nossa aventureira, porém, gostava de manter-se bonita e feminina, com cabelos longos e vestidos, reservando as calças para os trabalhos de campo. Numa época em que as instituições de pesquisa eram tomadas, em sua maioria, por homens, Emília mostrou que é possível, sim, fazer ciência de saias – e com muito charme!
Um pouco mais sobre a vida de Emília
Nascida no dia 13 de abril de 1868, na província de Brandenburgo, que fica ao norte de Berlim, Emília ficou órfã de mãe muito cedo e foi criada pelo pai. Aos 21 anos, tornou-se professora, foi estudar francês na Suíça e, além de seu país natal, trabalhou na Inglaterra e na Irlanda.
Já com mais de 30 anos, em 1899, decidiu estudar história natural na Universidade de Berlim – foi uma das primeiras mulheres a cursar universidade na Alemanha. Em seguida, começou a trabalhar no Museu de História Natural da cidade como assistente de zoologia. Pouco depois, Emília soube que havia uma vaga para um trabalho parecido em Belém, no Pará.
Após anos contribuindo muito para a ciência brasileira, em 1926, a pesquisadora foi convidada a ingressar na Academia Brasileira de Ciências. Morreu em Porto Velho no dia 25 de novembro de 1929.
* Este texto foi escrito com informações da historiadora Miriam Junghans, doutoranda da Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz