Quem é vivo sempre aparece

Até o fim do ano passado, uma determinada espécie de pica-pau havia sido avistada pelos cientistas uma única vez, e isso em 1926. Seu nome? Pica-pau-do-parnaíba. Durante esses 80 anos sem notícias, os ornitólogos, especialistas em aves, se perguntaram: será que o pica-pau-do-parnaíba realmente é uma espécie? Se é, por que nunca conseguimos encontrar outro representante da espécie? Será que ele já foi extinto? Graças ao biólogo Advaldo do Prado, algumas dessas perguntas já podem ser respondidas. Isso porque ele reencontrou um exemplar desse raro pica-pau e pretende estudá-lo mais profundamente.

Não, ele não é um roqueiro punk . Esse aí é o nosso querido pica-pau-do-parnaíba. (Foto: Guilherme R.C. Silva).

Nada como uma pitada de sorte no trabalho dos cientistas. Advaldo encontrou o Celeus obrieni , nome científico do pica-pau-do-parnaíba, no Tocantins. Lá, no meio da floresta, será construída uma estrada e, como manda a lei, a empresa responsável pela obra precisou fazer um levantamento de todos os animais da área para saber se a nova via ofereceria risco à fauna local. E sabe quem fazia esse levantamento? O Advaldo!

Ao encontrar o Celeus obrieni, o biólogo suspeitou que estava diante de um bicho peculiar. Três pistas indicavam isso: primeiro, a cabeça vermelho-amarronzada, diferente da dos demais pica-paus da região, que costumam ser amarelo-avermelhadas; o segundo diferencial foi uma mancha preta no peito, posicionada mais acima do que o normal; por fim, uma mancha marrom na asa, sinal que nenhum dos outros pica-paus conhecidos pelo pesquisador possuem.

Mas só observar não adiantaria nada, era fundamental que o pesquisador registrasse o pica-pau, procedimento padrão para todos os animais encontrados. “Tirei várias fotos do pica-pau e o soltei. Logo depois, consultei o meu manual de bolso para tentar identificar a qual espécie ele pertencia, mas não o encontrei”, conta o pesquisador. “Só consultando um manual mais completo, um tijolão que eu guardava no carro, é que descobri que ele talvez pudesse ser o raro Celeus obrieni .”

Raro mesmo. O único exemplar do pica-pau-do-parnaíba encontrado até então havia sido coletado em 1926. Desde então, vários ornitólogos haviam procurado outros animais dessa espécie em vão. Chegou-se a pensar que o Celeus obrieni não seria uma espécie de pica-pau, mas, sim, uma subespécie do pica-pau-lindo (Celeus spectabilis), ou seja, um indivíduo da mesma espécie, mas com algumas diferenças genéticas.

Algumas características do pica-pau-do-parnaíba, no entanto, não deixavam dúvidas quanto às suas diferenças em relação ao pica-pau-lindo, e assim, no ano de 2005, uma decisão do “Comitê de Classificação das aves Sul-Americanas” já havia confirmado, mesmo antes do redescobrimento feito pelo Advaldo, que o Celeus obrieni era, sim, uma espécie.

De posse da foto do pica-pau-do-parnaíba, o pesquisador a enviou para um outro especialista em aves, José Fernando Pacheco, que confirmou: aquele era mesmo um Celeus obrieni , ave que o próprio José Fernando já tinha buscado no interior do Piauí e no Maranhão. “O pica-pau-do-parnaíba era uma das espécies enigmáticas, que são um desafio para nós, pesquisadores de pássaros”, conta. “Tentar encontrar esses animais é um estímulo para os cientistas irem a campo.”

As perguntas que ficam agora são: esse animal está realmente em extinção? Em quais regiões do Brasil ele está distribuído? Quantos ovos coloca? Quanto tempo o filhote fica no ninho até poder voar? Essas são as charadas científicas que Advaldo pretende elucidar. Para isso, o pesquisador aguarda uma licença do governo brasileiro que o permita coletar sangue do pica-pau-do-parnaíba, o que possibilitará uma análise de DNA do animal – o código secreto que existe em suas células. Se depender da nossa torcida, logo, logo as novas pesquisas começarão, não é mesmo?

 

Matéria publicada em 22.07.2010

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Rosa Maria Mattos

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