Verde ou Azul?

O alvoroço havia se instalado desde a semana anterior, quando a direção da escola nos informou que teríamos eleições. Os grupos se organizavam para aquela que seria a eleição de todos os tempos. Eleição bastante estranha, por sinal.

Não serviria para representações em grêmios, conselhos de classe ou qualquer outra função que levasse as demandas dos estudantes da escola para a direção. Deveríamos escolher se votaríamos no Verde ou no Azul.

Eleições na Escola Botelho. Alvoroço total para a escolha do Verde ou Azul. (foto: Brittany Randolph / Flickr /<a href=https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.0/> CC BY-NC-ND 2.0</a>)

Eleições na Escola Botelho. Alvoroço total para a escolha do Verde ou Azul. (foto: Brittany Randolph / Flickr / CC BY-NC-ND 2.0)

Exato. Deveríamos escolher uma destas cores e em torno delas nos organizar. Podíamos colar cartazes com as palavras Verde ou Azul, pintar bandeiras em Verde ou Azul, distribuir panfletos em Verde ou Azul e até mesmo fazer comícios em defesa do Verde ou do Azul.

E, assim como na política, o simples voto no Verde ou no Azul se transformaria na maior guerra jamais vista na Escola Botelho! Paredes borradas, cartazes em todos os cantos e ofensas para todos os lados.

– “Verde… Verde… Verde… Esse povo só sabe dormir na rede!”, gritavam os defensores do Azul.

– “Azul… Zul… Zul… Esses bocós são de Istambul… Bul… Bul!”, ofendiam os partidários do Verde.

Era o sinal da confusão anunciada. Naquela manhã de quinta-feira, surgiu a grande novidade. Na parede principal do colégio, onde milhares de papéis azuis e verdes se sobrepunham, havia sido colado um pequeno papel quadrado na cor amarela. Exato, você leu corretamente: um papel amarelo.

Como do nada, a opção: como um grande Ipê, surgiu o Amarelo e se instalou a confusão! (foto: Francisco / Flickr / <a href= https://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.0/>CC BY-AS 2.0</a>)

Como do nada, a opção: como um grande Ipê, surgiu o Amarelo e se instalou a confusão! (foto: Francisco / Flickr / CC BY-AS 2.0)

“Como??!!! Quem foi o responsável? Quem foi? Quem foi?” – gritava desvairadamente a diretora de um lado para o outro.” Terrível decisão: podíamos escolher o verde ou o azul. Mas o amarelo… Uau! Era uma tentação. Por que não amarelo? Ou então branco, roxo, cor-de-abóbora ou quem sabe até mesmo vermelho?

Essa decisão me parece hoje tão difícil quanto ter que escolher onde iniciar uma escavação paleontológica. Desejamos o sucesso, ou seja, encontrar o melhor e mais interessante dos fósseis. Algo jamais encontrado e que revolucione o que já se conhece. Mas como tomar a decisão correta?

Haveria algum local melhor que outro para se iniciar uma escavação paleontológica? Por que aqui e não ali? Bem, antes de tudo, precisamos conhecer as rochas que existem na região. Ao observarmos um mapa geológico, verificamos se ocorrem rochas sedimentares na área e se há alguma informação acerca de fósseis que já tenham sido encontrados no local. Isto já nos dará uma boa pista se teremos ou não sucesso em nossos achados.

Escavar, escavar e escavar... E, muitas vezes, nada encontrar. (foto: Ismar Carvalho)

Escavar, escavar e escavar… E, muitas vezes, nada encontrar. (foto: Ismar Carvalho)

Porém, o sucesso é por vezes uma ilusão. Desejamos descobrir um novo dinossauro, mas a escavação somente encontra plantas e mais plantas fósseis. Não tivemos sucesso? Para encontrar o dinossauro não, mas pelo menos encontramos as plantas que viviam em sua época e poderemos assim entender melhor como eram os antigos ecossistemas.

Algumas vezes, após semanas de busca, nada é encontrado. Isto também é um resultado e se traduz no próprio processo do trabalho da ciência. Nem sempre se encontra o que se deseja e, assim, devemos analisar a causa de nosso insucesso. Não escolhemos a área correta ou então os fósseis são tão raros que demandariam um tempo muito maior de trabalho para que os encontrássemos.

Dedicação, esforço e muito empenho são garantias de que algo há de ser aproveitado ao final de uma escavação paleontológica. (foto: Ismar Carvalho)

Dedicação, esforço e muito empenho são garantias de que algo há de ser aproveitado ao final de uma escavação paleontológica. (foto: Ismar Carvalho)

Escolher como desenvolveremos nossa pesquisa paleontológica é um pouco como decidir entre o Verde ou o Azul. Porém, muitas vezes percebemos que também há o amarelo, branco, roxo, cor-de-abóbora, vermelho, preto ou dezenas de outras possibilidades de escolha.

Ao final daquela quinta-feira, todos os Verdes e Azuis desapareceram das paredes. Não ocorreram mais eleições na escola. Porém, na memória de cada aluno de 1968 da Escola Botelho, sabemos que o vencedor foi o Amarelo! O improvável, que tal como nas escavações paleontológicas, dá o sabor das grandes descobertas.

Matéria publicada em 19.09.2014

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Ismar de Souza Carvalho de Souza Carvalho

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