Verão na Pangeia

Dias quentes sempre me lembram certo episódio da infância. Por pelo menos quarenta dias, o Sol insistia em surgir às cinco da manhã e continuava radiante até o início da noite. No céu, nenhuma nuvem ou qualquer sinal de que choveria. Então, naquela segunda-feira calorenta, os problemas começaram.

Naquele verão, o que mais desejávamos era uma chuva refrescante, em que os barquinhos de papel singrariam as águas turbulentas das ruas enlameadas (Reprodução do quadro “Barquinho de papel”, feito em acrílico sobre tela, do artista Ivan Cruz. Foto: Ludmila Guerra / Projeto Brincadeiras de Criança / www.brincadeirasdecrianca.com.br)

O percurso até a escola, através de ruas poeirentas, era um suplício. As árvores, com suas folhas murchas, pouco ajudavam a sombrear o caminho. Um pó vermelho recobria telhados, muros e os pobres cachorros que se aventuravam pelas ruas.

Após a primeira hora de aula, o calor aumentava. Nenhuma brisa ou ventinho pela janela. As salas – sem ventilador ou qualquer tipo de refrigeração – pareciam estufas. Mais uma hora e todos estávamos molhados de suor. Ao se aproximar o recreio veio a notícia: “Acabou a água! Todos para casa!!!”

No início ficamos contentes, mas logo descobrimos que aquela não seria uma tarde divertida. Todo o abastecimento de água havia sido cortado por causa da falta de chuvas. E assim continuamos por mais uma semana. Antes, apenas os cachorros estavam recobertos de pó vermelho, mas agora eram todos os meninos, cujo banho restringia-se a algumas poucas canecas d’água. Foi horrível!

A Pangeia foi um supercontinente que existiu há mais de 250 milhões de anos, quando todos os continentes formavam apenas uma grande massa de terra (Ilustração: adaptado de Wikimedia Commons)

Imagine agora um mundo em que, por vezes, não chovia durante anos. Lagos e rios secavam e a terra, cada vez mais árida, impedia o desenvolvimento das plantas e levava os animais a uma procura desesperada por água. Parece desolador? Pois saiba que nada disso é ficção.

A Terra já foi assim, há 251 milhões de anos, quando todas as massas continentais se reuniram em um supercontinente chamado Pangeia. Sua extensão era tão grande que o ar úmido vindo dos oceanos não conseguia chegar em seu interior, onde dominavam ambientes áridos, e até mesmo desertos. As grandes florestas que dominavam os ambientes continentais desapareceram, dando lugar a plantas mais resistentes, como as cicas – que, aliás, existem até hoje.

Naquelas condições de clima quente e seco, surgiram novos grupos de répteis, como os cotilossauros, proganossauros e pelicossauros, que se diversificaram e adquiriram as mais diferentes formas e tamanhos, tudo para se adaptarem a um clima inóspito e extremo. Ao final do período Permiano, há 251 milhões de anos, uma avassaladora extinção levou ao desaparecimento de aproximadamente 95% de todas as espécies marinhas e de 70% das espécies que viviam sobre os continentes.

As cicas são plantas resistentes ao calor. Quando a Pangeia se formou, eram um dos principais vegetais que existiam sobre a Terra, e estão presentes até hoje (Foto: Wikimedia Commons)

Este grande evento, que quase dizimou a vida em nosso planeta, abriu novas possibilidades para as espécies que sobreviveram – como o grupo dos lepidossauros e arcossauros –, transformando então, mais uma vez, as paisagens do mundo.

Naquele verão da minha infância, não de milhões, mas de muitos e muitos anos atrás, não nos extinguimos. Finalmente veio a chuva e, com ela, o cheiro do mato molhado, os barquinhos de papel nas águas que escoavam pelas ruas e um arco-íris no céu, a nos lembrar que, sem os ciclos da natureza, não teríamos as cores da vida.