Veado-campeiro e o bezoar mágico

Chá de ninho de beija-flor para combater a asma, gordura de sapo contra problemas de estômago, raspas de corno de carneiro para sarar dores nas articulações… Parece estranho? Pois era mais ou menos assim que as pessoas tentavam curar doenças no passado, quando a medicina e outras ciências da saúde eram ainda pouco desenvolvidas. Naquele tempo não existiam os remédios que encontramos hoje nas farmácias, e receitas pra lá de esquisitas eram muito comuns – e ainda são, em algumas regiões do Brasil e de outros países.

Um item curioso que se acreditava possuir poderes mágicos de cura era o bezoar. Um bezoar é uma massa – às vezes lembrando uma pedra – formada geralmente no estômago ou no intestino de animais pelo acúmulo de material que não foi digerido, como pelos e fibras vegetais. Os bezoares mais comuns são encontrados no grupo dos ruminantes, que inclui bois, cabras, ovelhas e veados.

Bezoares

A palavra “bezoar” tem origem em “pādzahr”, que na língua persa pode ser traduzido como “antídoto”. A crença de que o bezoar tinha poderes de cura surgiu no Oriente Médio, e depois se espalhou por várias regiões do mundo (Foto: Wikimedia Commons / CC BY-SA 3.0)

Na Europa, a compra e venda de bezoares era comum até o século 18. O preço dependia do material do qual o bezoar era formado e do animal de onde ele era extraído. Alguns bezoares raros eram oferecidos como presentes a reis e papas!

Após a chegada dos europeus à América do Sul, um animal ganhou fama de possuir valiosos bezoares que combatiam venenos: o veado-campeiro.

A fama do bezoar foi tanta que influenciou o nome científico do bicho. Os especialistas o chamam de Ozotoceros bezoarticus. O nome específico, é claro, vem de “bezoar”. Já o nome do gênero (Ozotoceros) significa “chifres ramificados” em grego. Basta olhar a cabeça de um veado-campeiro macho para entender!

Veado-campeiro macho

Apenas os veados-campeiros machos possuem chifres. Eles caem todos os anos e crescem de novo na época de reprodução (Foto: Maria Clara do Nascimento)

Os veados-campeiros vivem em campos naturais de alguns países da América do Sul, principalmente no Brasil, onde são encontrados no Cerrado, Pantanal e Pampas. Já foram muito numerosos, mas, desde a colonização europeia, suas populações têm diminuído por causa da transformação de grande parte de seu habitat em cidades, pastagens e plantações, e porque muitos desses animais também foram caçados.

Os veados eram uma das fontes de alimento dos indígenas, que os chamavam de suaçu, a “caça grande” em tupi-guarani. Mas foram os portugueses e espanhois os responsáveis pela caça excessiva dos veados-campeiros, em busca da sua carne, couro, e, é claro, bezoares. A própria palavra portuguesa “veado” traz essa referência: tem origem em venatus, que, em latim, significa “caça”. Atualmente, os veados-campeiros correm risco de desaparecer de várias regiões, e caçá-los é proibido por lei.

Veado-campeiro

O veado-campeiro era conhecido por alguns indígenas como “suaçutinga”, ou seja, “veado-branco”, por causa da cor da garganta, barriga, traseira e parte de baixo da cauda (Foto: Bart vanDorp / CC BY-SA 2.0)

Com o avanço da ciência, ficou provado que os bezoares não combatem venenos, ao contrário do que se pensava antes. Então, os veados-campeiros não têm nenhum tipo de poder especial. Porém, encontrar um deles na natureza é uma emoção tão grande que até parece mágica!