Vampiro camarada

Imagine que você é um jovem explorador, que partiu rumo à Amazônia para estudar os animais e plantas dessa incrível floresta tropical. Numa noite sem luar, você e seus amigos conversam à luz da fogueira do acampamento. De repente, um grande vulto passa voando silenciosamente alguns metros acima. O guia da expedição, um morador antigo daquele lugar, pronuncia uma única palavra, assustado: “Andiraguaçu!”. Em seguida, um dos cientistas sussurra amedrontado: “Vampyrum spectrum, o grande morcego sugador de sangue!”

O andiraguaçu é uma espécie rara que habita florestas do México à América do Sul. No Brasil, é encontrado principalmente na Amazônia. Aves, roedores e outros morcegos constituem a maior parte da sua dieta (Foto: Andrew Snyder)

A cena parece tirada de um filme de terror, mas pode ter sido vivida pelos pesquisadores europeus que exploraram as florestas da América do Sul no século 19. Porém, o morcego que ganhou fama de vilão nunca fez mal a ninguém, nem se alimenta de sangue…

Diversos povos da Europa e Ásia tinham lendas sobre criaturas em forma de gente que bebiam sangue. Em algumas regiões do leste da Europa, esses monstros folclóricos eram chamados ‘vampir’, palavra cujo significado é incerto. Mas agora é fácil saber a origem da palavra ‘vampiro’, não é? (Ilustração: Maurício Veneza)

Os indígenas deram o nome de andiraguaçu e os cientistas chamaram de Vampyrum spectrum a espécie dos maiores morcegos das Américas, cujo comprimento das duas asas abertas pode chegar a um metro.

Tudo indica que os índios sulamericanos morriam de medo dos morcegos. Tanto é que lhes deram o nome andirá, que, na língua tupi, significa “o que assusta” ou “o que apavora”. Andiraguaçu, por sua vez, quer dizer “grande morcego”.

No passado, muitas pessoas (inclusive os primeiros pesquisadores que passaram por aqui) acreditavam que os andiraguaçus atacavam homens e bichos para beberem seu sangue. Por isso, eles acabaram batizados pela ciência com o nome Vampyrum, em referência a assustadoras criaturas do folclore do Velho Mundo: os vampiros! Não bastasse isso, o nome específico spectrum quer dizer “aparição” ou “fantasma” em latim. Afinal, quem via este grande morcego voando em silêncio pela noite devia imaginar ter visto uma assombração na floresta!

Mas, se o andiraguaçu não se alimenta de sangue, de onde veio essa história toda? Bem, hoje os cientistas conhecem mais de 1100 espécies de morcegos no mundo, mas sabem que apenas três são hematófagas, ou seja, se alimentam de sangue – e todas elas vivem na América Latina. Mas, quando os primeiros colonizadores chegaram por aqui, não sabiam disso tudo. Descobriram que havia morcegos hematófagos, e logo pensaram que muitas outras espécies se alimentavam de sangue. Uma grande confusão!

Devido ao grande tamanho, o andiraguaçu ocupa uma posição privilegiada na cadeia alimentar. Muitas espécies fazem parte da sua dieta, mas nenhuma parece devorá-lo quando adulto. Por isso, é considerado um “predador de topo” (Foto: Valéria C. Tavares)

Agora você já sabe: o Vampyrum spectrum pode até assustar por causa do nome e do tamanho, mas não faz mal às pessoas e ainda ajuda no equilíbrio dos ecossistemas, controlando o tamanho populacional dos animais que lhe servem de alimento.

É um morcego ou é um rato?
Ainda hoje, é comum encontrar pessoas que acreditam que morcegos são “ratos com asas”. Esse tipo de mito é tão antigo quanto a própria palavra morcego, que se originou de duas palavras em Latim e significa “rato cego”. Mas guarde bem isso: morcegos não são ratos com asas, nem são cegos, embora muitas espécies tenham olhos pequenos e uma visão fraca.