No jornal, eis a notícia que se lia: “Quem esbanja os dinheiros públicos não somos nós, não é o povo em cima de cujos ombros descarregam todo o peso dos impostos. O povo deve tomar uma atitude enérgica. É uma questão de dignidade. Convém que o povo ajude aos homens de critério a opor um dique à onda que nos quer absorver.”
O dia seguinte viu a multidão protestando nas ruas. No Rio de Janeiro, o povo se concentrou em frente à casa do governante. Entregaram a ele uma petição, exigindo a redução do preço da passagem dos transportes da cidade. A polícia estava por toda parte. Ninguém podia se aproximar do palácio.
Nos dias que se seguiram, os protestos aumentaram. A multidão, concentrada no Largo de São Francisco, recusava-se a pagar a taxa. A polícia, desta vez, pediu reforços ao exército e dispersou a população, de uma maneira que os jornais consideraram, no mínimo, desastrada.
Se você acha que a nossa máquina do tempo desta vez ficou no presente, errou! A notícia acima foi publicada no jornal O Mequetrefe, em 27 de dezembro de 1879. A multidão se concentrou no Palácio São Cristóvão, residência do imperador D. Pedro II, no dia 28 de dezembro. E, no dia 1 de janeiro de 1880, tendo perdido o controle da multidão, a liderança do movimento pedia ajuda à polícia.
Era a Revolta do Vintém, chamada assim porque o preço da passagem do bonde seria aumentada em um vintém, 20 réis, a moeda de menor valor do Império. Qualquer semelhança com a nossa revolta atual é mera coincidência. Ou não?
Tanto nos protestos do século 19 quanto nas manifestações que tomaram o Brasil nas últimas semanas, os motivos são os mesmos: aumento do preço da passagem do transporte urbano, que afeta toda a população. Alem disso, se, hoje em dia, os protestos mostram a insatisfação do povo com a baixa qualidade dos serviços públicos, naquela época eles também tinham relação com o aumento dos impostos, que atingia de grandes proprietários a funcionários públicos. Foi, no dizer do historiador José Murilo de Carvalho, “uma grande explosão social, detonada por um pobre vintém”.
Quem estuda história não tem bola de cristal, mas sabe que sempre se aprende com o passado: O Mequetrefe publicou que “não fazemos questão do vintém pelo vintém em si; o governo, contando com a atitude submissa do povo, é que se atreve a tanto. Não devemos, pois, pagar o vintém”. Naquela ocasião, o governo voltou atrás, e anulou o aumento.
Fossem atentos à atitude do povo, talvez os governantes de hoje tivessem pensado duas vezes antes de aumentar o preço das passagens dos transportes públicos. Agora é tarde. As passagens já voltaram ao valor antigo, mas, a julgar pelo calor das manifestações, o que não falta é motivo para a população protestar.