Sobre bolinhos de chuva, pipoca e como os seres vivos se transformam em fósseis

No final da tarde de hoje, após longos dias de muito calor, veio a chuva. De início, apenas algumas grandes gotas, que, ao baterem no chão quente, viraram vapor. Em seguida, o barulho forte de pingos e mais pingos, que, repentinamente, transformaram o céu numa grande cachoeira esbranquiçada. Como veio, a chuva se foi. A água escoou, infiltrou-se pela terra e tudo voltou devagarzinho à sua rotina.


Gosto da chuva. Desta chuva que vem depressa, refresca o ar, molha as plantas, e, quando nos pega no meio do caminho, deixa-nos encharcados. Ela traz lembranças de coisas boas, como uma casa acolhedora, bolinhos de chuva, pipoca e um passar mais lento do dia. A chuva também me lembra o ciclo do que é vivo: vem de forma inesperada, existe por um tempo e, quando menos se espera, desaparece. Exatamente como as nuvens nos dias de chuva. Não sabemos de onde vieram e tampouco para onde foram.

Tudo que é vivo também possui o seu ciclo de existência. Pode parecer estranho, mas a vida possui uma relação muito estreita com a morte. Nada que é vivo o será para sempre, e somente é possível que apareçam novas plantas e animais quando outros morrerem e permitirem o reinício da existência. O registro da vida que existiu no passado e que encontramos nas rochas — os fósseis — marca estes muitos ciclos da existência, que, à semelhança da chuva, ocorre de forma repetitiva e repentina ao longo do tempo.

Pedaços de vegetais pré-históricos com 300 milhões de anos de idade, encontrados no Piauí (foto: Ismar de Souza Carvalho).

Quando um organismo morre, ele rapidamente apodrece e desaparece. Mesmo as partes mais duras, como sementes, ossos e conchas, são degradadas ao final de alguns anos. A ação dos microorganismos, do oxigênio, e, por vezes, de outros animais que se alimentam de carniça, fazem com que a matéria orgânica seja incorporada ao solo ou a outros animais e plantas. E assim, novos ciclos que possibilitam a vida se iniciam.

Mesmo um organismo com uma única célula e que existiu há 80 milhões de anos pode ser preservado ao longo do tempo e chegar aos dias atuais na forma de um fóssil (foto: Valesca Portilla Eilert)

Porém, há momentos em que o contínuo surgir e desaparecer da vida é interrompido. Caso o organismo seja rapidamente soterrado, impedindo a ação dos animais que comem carniça e da presença de oxigênio, há uma maior possibilidade de que seus restos sejam preservados e incorporados a um novo ciclo – o das rochas. É como se fosse um sequestro do animal ou planta de seu próprio tempo: em vez de desaparecer, ele fica preservado nas rochas por milhões de anos como um fóssil.

Isso pode acontecer de diferentes formas. Por exemplo: é possível que o formato de um bicho ou planta fique impresso em uma rocha. Minerais podem tomar o lugar antes ocupado pelos ossos e músculos ou pelas folhas e pelo caule. O bicho ou planta também pode acabar congelando em baixas temperaturas, passar por um total ressecamento por conta do ambiente seco ou ser envolvido por resinas vegetais como o âmbar.

No alto, você vê uma reconstituição do “crocodilo terrível de Uberaba”, que viveu há 70 milhões de anos no interior de Minas Gerais. Embaixo, à esquerda, confere como os paleontólogos imaginam que era a cabeça desse bicho. Essa escultura foi criada levando em conta o fóssil do crânio desse réptil (à direita). Nele, o mineral conhecido como calcita tomou o lugar dos ossos originais (Desenho e escultura: Ariel Milani Martine. Foto: Ismar de Souza Carvalho).

Nessa nova condição, a existência desses animais e plantas pode parecer garantida para sempre. Mas continua sob o risco de sumir por causa da erosão. Seja como for, não há como negar que, como a chuva, o ciclo de formação de fósseis parece não terminar nunca. Melhor assim. Como interrompe o contínuo surgir e desaparecer da vida, é como se nos trouxesse a garantia de que teremos sempre uma casa acolhedora, bolinhos de chuva, pipoca e um passar mais lento de nossas vidas.