Serpente e lamparina só no nome

Nos meses de julho, entre os anos de 2006 e 2008, um amigo e eu apresentávamos um curso dirigido a produtores rurais sobre serpentes brasileiras. Alguém sempre perguntava sobre a “serpente com asas”, também conhecida como jaquiranaboia. Em muitas regiões, principalmente na Amazônia, este animal é temido pelas pessoas que vivem no campo. Elas acreditam  que ele possui um veneno mortal e que resseca as árvores onde pousa.

Tudo isso é lenda! A jaquiranaboia não tem veneno algum, nem é perigosa. Alimenta-se da seiva de árvores, e é incapaz de ressecá-las. Mas por que a chamam de “serpente com asas”?

A cabeça da jaquiranaboia possui um tipo de tromba, cujo formato lembra a cabeça de uma cobra. É por isso que tem quem ache que esse bicho é uma serpente alada! Só que, na verdade, trata-se de um inseto do grupo das cigarras. De serpente, a jaquiranaboia não tem nada além do nome, que em tupi-guarani quer dizer “cigarra-cobra”, por causa do aspecto de sua cabeça.

A jaquiranaboia é um inseto grande, que alcança 10 centímetros de comprimento, e vive na América Central e na América do Sul. No Brasil são conhecidas oito espécies, que habitam regiões de quase todo o país. (foto: Arthur Chapman / Creative Commons).

Outros nomes populares, como jequitiranaboia, jitiranaboia, tiramboia e tiranaboia são uma variação da palavra jaquiranaboia, e têm o mesmo significado.

Lamparina

Nos séculos 17 e 18, alguns pesquisadores que exploravam as florestas da América do Sul afirmaram que a jaquiranaboia era capaz de emitir luz à noite, como uma lamparina. Essa história acabou influenciando na hora de se batizar as primeiras espécies com nomes científicos. Quer ver só?

As jaquiranaboias pertencem ao gênero Fulgora. Este é o nome da deusa dos relâmpagos na mitologia romana, e tem origem na palavra fulgur, que significa “relâmpago” em latim. Três espécies brasileiras possuem nome específico que faz referência à capacidade de emitir luz à noite: Fulgora lampetis, Fulgora laternaria e Fulgora lucifera. A palavra lampetis vem do grego “aquele que possui brilho”. Já o latim é a língua de origem das palavras laternaria (que significa “aquele que ilumina com lanterna”) e lucifera (portador da luz).Só que existe um grande “porém” nisso tudo: até hoje ninguém mostrou uma jaquiranaboia emitindo luz! Então, parece que essa história também é lenda.

Para muita gente, a tromba da jaquiranaboia lembra a cabeça de uma serpente. Para mim, se parece mais com a cabeça de um jacaré. E você, o que acha? (foto: Gustavo Morejon / Creative Commons).

Outras cinco espécies de jaquiranaboia ocorrem no Brasil: Fulgora castresii, Fulgora cearensis, Fulgora graciliceps, Fulgora riograndensis e Fulgora servillei. Os nomes específicos de Fulgora cearensis e Fulgora riograndensis fazem referência ao estado brasileiro onde foram descobertas, e em latim significam, respectivamente,  “pertencente ao Ceará” e “pertencente ao Rio Grande do Sul”. Já os nomes Fulgora castresii e Fulgora servillei são, homenagens a um coronel chamado Castres e ao pesquisador de insetos Jean Guillaume Audinet-Serville, nascido na França. Por fim, o nome específico de Fulgora graciliceps vem do latim “cabeça fina”.

Agora, se você avistar uma jaquiranaboia, já sabe que não precisa ter medo. Aproveite para tirar fotos e se lembrar das histórias por trás dos nomes desse incrível inseto!

Quando a jaquiranaboia abre suas asas, é possível ver manchas que lembram os olhos de uma coruja. Isso é uma estratégia que ajuda a afugentar predadores. (foto: Gilberto M. Palma).

Um dos nomes populares da jaquiranaboia em inglês é peanut-headed bug, que quer dizer “bicho cabeça-de-amendoim”. Bem apropriado, não acha?