O Natal mal havia acabado e já nos preparávamos para o Ano Novo, sempre na casa de minha vovó Dedé. Festa e comida andavam de mãos dadas – uma boa festa não seria completa se não houvesse enorme comilança, ora! Os preparativos começavam dois dias antes: leitão pururuca, torresmos e farofa de ovos; um arroz maneiro, capeletes e espaguete caseiro… Porém, a sensação era o preparo do peru.
Inicialmente ele tinha de beber cachaça. Esquisito, não é? Mas era assim que o bicho era preparado. Criado com todo o carinho no quintal, na véspera da festa seu destino estava traçado. Juntava gente de tudo quanto é lado só para vê-lo embriagado. Que maldade! E, depois disso, o pobrezinho ia para a panela, completando a última etapa da comilança do Ano Novo.
Algo que me intrigava é que, toda vez que se abria a barriga de um peru, quase sempre ela estava cheia de pequenas pedras. Diziam que ele era guloso e tudo o que via pela frente engolia sem pestanejar. Uma coisa realmente estranha.
O que eu não sabia naquela época era que as pedras encontradas na moela e no estômago de aves e répteis, como os crocodilos, são engolidas por eles para auxiliar no trituramento dos alimentos. Estes animais engolem grãos inteiros e grandes pedaços de vegetais ou carne, mas não mastigam. As pedras, então, ajudam no trabalho da digestão. Outra utilidade, especificamente nos crocodilos, é que as pedras aumentam o peso do animal e ajudam-no a mergulhar, facilitando os movimentos dentro da água
Incrivelmente, algumas dessas pedras são encontradas preservadas em fósseis e recebem o nome de gastrólitos. Elas podem ter tamanhos e formas bastante variados, mas geralmente são pequenos pedaços de rochas, engolidos de maneira voluntária pelos animais.
É raro encontramos o conteúdo do estômago em fósseis. Geralmente, quando o animal morre, as pequenas pedras do interior de seu corpo são espalhadas pelo sedimento que os soterra. Porém, paleontólogos já registraram casos – como os dos fósseis do crocodilo Baurusuchus salgadoensis, encontrados em São Paulo – nos quais há gastrólitos com mais de 80 milhões de anos.
Voltando às ceias de final de ano, vale lembrar que, como nós não engolimos pedras para auxiliar na digestão, a expressão “pedra no estômago” tem um significado completamente diferente para os humanos – aquela sensação desagradável de que comemos demais. Melhor comer alimentos saudáveis e com moderação!