Os bigodes do imperador

Em 27 de janeiro de 1859, nasceu em Berlim o pequeno Frederico Guilherme Victor Alberto Hohenzollern. Ele era uma criança com berço real, tendo como avô paterno Guilherme I, o kaiser (“imperador”, traduzindo para o português) da Alemanha, e como avó materna a rainha Vitória da Inglaterra.

O parto do bebê foi difícil e levou muitas horas. Por causa de um erro médico, o menino machucou seu braço esquerdo, que ficou atrofiado para o resto da vida. Apesar disso, o garoto cresceu saudável.

Guilherme II foi o último imperador da Alemanha e um dos responsáveis pela Primeira Guerra Mundial, que ocorreu entre 1914 e 1918.  Derrotado, ele abdicou do trono, fugiu para a Holanda e a Alemanha se tornou uma república. (foto: Imperial War Museums)

Guilherme II foi o último imperador da Alemanha e um dos responsáveis pela Primeira Guerra Mundial, que ocorreu entre 1914 e 1918. Derrotado, ele abdicou do trono, fugiu para a Holanda e a Alemanha se tornou uma república. (foto: Imperial War Museums)

Em 15 de junho de 1888, após a morte do avô e do pai, Guilherme II, como passou a ser conhecido, tornou-se o novo Kaiser aos 39 anos de idade. Com uma personalidade difícil, o novo imperador era agitado, mandão e arrogante, o que fez com que muita gente, inclusive parentes, desgostasse dele. Mas, talvez, sua característica mais marcante tenha sido o bigode vasto e penteado para cima – uma verdadeira obra de arte da barbearia.

Enquanto Guilherme II governava na Alemanha, o pesquisador suíço Emílio Goeldi estudava a biodiversidade do Brasil. Em 1894, Goeldi, que morava no Rio de Janeiro, mudou-se para Belém, onde foi trabalhar no Museu Paraense de História Natural e Etnografia – atualmente, Museu Paraense Emílio Goeldi.

Em 1907, ano em que deixou o Brasil e voltou para sua terra natal, Goeldi publicou em uma revista especializada um trabalho que descrevia novas espécies de saguis amazônicos do gênero Midas, nome que faz referência a um rei da mitologia grega. Dentre as novidades, havia um tipo de sagui com um vasto bigode.

O pesquisador não vira os exemplares dessa espécie vivos, mas os homens que os coletaram lhe disseram que o bigode dos macaquinhos fazia uma curva para cima. Ora, quem possuía um bigode tão vistoso assim era ninguém menos que Guilherme II, o que levou Emílio Goeldi a nomear o sagui-bigodudo como Midas imperator (“imperador”, em latim).

Encontrado no Acre, no Amazonas, e em parte do Peru e da Bolívia, o Midas imperator é hoje chamado de Saguinus imperator. Saguinus tem origem na palavra indígena sagui, e quer dizer “olhos pequenos” ou “olhos espertos”. À esquerda, uma ilustração da descrição original, de 1907. (imagens: bathyporeia / Flickr / <a href=http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.0/br> CC BY-NC-ND 2.0</a> e Zool. Soc. London)

Encontrado no Acre, no Amazonas, e em parte do Peru e da Bolívia, o Midas imperator é hoje chamado de Saguinus imperator. Saguinus tem origem na palavra indígena sagui, e quer dizer “olhos pequenos” ou “olhos espertos”. À esquerda, uma ilustração da descrição original, de 1907. (imagens: bathyporeia / Flickr / CC BY-NC-ND 2.0 e Zool. Soc. London)

Mas há um detalhe importante nisso tudo. Em vida, o bigode dos saguis não aponta para cima, mas para baixo, e o experiente Emílio Goeldi provavelmente sabia disso. Então, por que pentear os bigodes e dar à espécie um nome em homenagem ao imperador alemão? A verdade é que, naquela época, era mais fácil discordar das ideias de Guilherme II do que o contrário. O kaiser queria a todo custo tornar o Império Alemão uma potência superior ao Reino Unido e, para isso, mandou até construir uma esquadra de guerra maior que a dos ingleses.

Em vida, o bigode do Saguinus imperator não se parece com o do kaiser Guilherme II, mas bem que lembra algum imperador chinês. (imagens: Daniel Coomber / Flickr / <a href=http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.0/br/>CC BY-NC-ND 2.0</a> e The Metropolitan Museum of Art / Open Access for Scholarly Content)

Em vida, o bigode do Saguinus imperator não se parece com o do kaiser Guilherme II, mas bem que lembra algum imperador chinês. (imagens: Daniel Coomber / Flickr / CC BY-NC-ND 2.0 e The Metropolitan Museum of Art / Open Access for Scholarly Content)

Por outro lado, Emílio Goeldi era um amante da natureza e membro de organizações humanitárias e em favor da paz. Ao chamar sua nova espécie de Midas imperator, Goeldi não fez uma homenagem ao Kaiser Guilherme II, mas uma crítica, comparando-o a um macaquinho. Pobre sagui!

Matéria publicada em 01.08.2014

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Henrique Caldeira Costa

Curioso desde criança, Henrique tem um interesse especial em pesquisar a história por trás dos nomes científicos dos animais, que partilha com a gente na coluna O nome dos bichos

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