Férias no início do mundo

— Mãe, em vez de a gente viajar sempre para o fim do mundo, dá para, desta vez, nós irmos para o início do mundo?

Quando o Tom fez essa pergunta, nem imaginava que seu desejo seria atendido!

Não que o mundo tivesse começado justamente ali, no interior de Minas Gerais, onde a gente resolveu passar as férias. Mas é bem possível que Tom e todas as crianças que nos acompanharam no passeio estivessem pisando nos mesmos lugares em que viveram os primeiros habitantes do Brasil: a região da Lapinha, em Santana do Riacho, Minas Gerais, hoje mais conhecida como Serra do Cipó.

Na Serra do Cipó, em Minas Gerais, há pinturas como essa, feita pelo homem pré-histórico e que retrata um animal (foto: Keila Grinberg).

Lá o cenário é de filme: altas montanhas de pedra, uma lagoa a perder de vista, com uma água que fica mais clara com o céu azul. Ao atravessá-la, a sensação já é a de voltar no tempo. Mas nada se compara com o que encontramos no fim da trilha: diversas pinturas rupestres —  ou seja, feitas na pré-história —, retratando homens, mulheres e também diferentes animais, de veados a peixes!

As belas paisagens e a presença de pinturas rupestres tornam especial a região da Lapinha, em Santana do Riacho, Minas Gerais (foto: Keila Grinberg).

O dono do lugar nos disse que as pinturas foram descobertas por acaso por um arqueólogo alemão — um cientista que estuda povos antigos — que estava a passeio pelos arredores. Acaso? Se ele não morasse no meio do mato, podíamos dizer que a sua história parecia de pescador. Afinal, desde o século 19 são feitas pesquisas arqueológicas na região. Ou seja, estudos sobre seus antigos habitantes. E tudo começou com um dinamarquês…

Da Dinamarca para o Brasil
Em 1835, Peter Lund se mudou para um lugarejo na região da Serra do Cipó chamado Lagoa Santa. Seu intuito era trabalhar nas grutas que havia ali, além de estudar as plantas e os animais brasileiros. Naquela época, isso era comum: vários estudiosos, os chamados naturalistas, vinham para o Brasil em busca da natureza exótica e intocada que não existia mais na Europa. Lund estava justamente em uma destas expedições quando, ao visitar as cavernas mineiras, ficou tão entusiasmado que decidiu até mudar de profissão. Deixou de ser naturalista e virou arqueólogo e paleontólogo. Ou seja, passou a estudar os vestígios deixados pelas pessoas e pelos animais do passado.

Veja o selo que homenageia Peter Lund, considerado o pai da paleontologia brasileira (imagem: Reprodução).

Nesse lugar, uma das descobertas mais importante de Lund foram ossadas que ficaram conhecidas como sendo do Homem de Lagoa Santa. Na verdade, se tratava de ossos de várias pessoas, encontrados junto a ossos de animais, machados, pontas de flecha e outros instrumentos de pedra lascada, tudo com idade estimada em 11 mil anos!

Lund também se encantou com as pinturas rupestres que encontrou em seu caminho. Muito parecidas com as que nós vimos mais de 150 anos depois, elas retratam animais e seres humanos. Observando-as bem, dá para entender um pouco como viviam os homens e as mulheres daquela época.

Tesouro mineiro
Para você ter uma ideia de como a região de Lagoa Santa é importante para o estudo da pré-história no Brasil, saiba que também foi lá que, em 1975, encontrou-se o esqueleto mais antigo do Brasil. Com 11.500 anos de idade, ele foi batizado de Luzia.

Além de ossos de animais e seres humanos, Peter Lund também encontrou pinturas rupestres em Minas Gerais, como mostra esta tela pintada por Peter Andreas Brandt.

Você consegue imaginar a emoção de estar em um lugar que foi habitado por humanos há mais de dez mil anos? Pois as crianças que me acompanharam nesse passeio só queriam mesmo saber de Peter Lund. Ele virou o herói da viagem! Afinal, sem ele, ninguém estaria conhecendo o “início do mundo”!

 

 

 

 

Matéria publicada em 26.08.2010

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Keila Grinberg

Quando criança, gostava de visitar a Biblioteca Nacional, colecionar jornais antigos e ouvir histórias da época de seus avós. Não deu outra: hoje é historiadora e escreve para a coluna Máquina do tempo.

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