Almoço de milhões de anos

Confesso: na véspera daquele dia fatídico eu havia exagerado na comida. Além de café da manhã, almoço e janta, foram três mangas, dois copos de vitamina de abacate, quatro bananas, oito gomos de jaca, um picolé, duas goiabas e meia barra de chocolate. Sei que é muito para quem estava entrando nos seis anos, mas fazer o quê? Eu estava faminto.

Era 9 de abril de 1968, três e quarenta e cinco, reinício da aula, logo após o recreio. Minha barriga começou a ter vida própria. Se mexia de um lado para outro e parecia que conversava comigo e com todos os que se situavam a pelo menos três metros de distância. Comecei a transpirar…Calor num momento, frio em outro, e a barriga se mexendo. Professora Ritinha percebeu que havia algo errado e me disse: “Está tudo bem? Você está ficando esverdeado… Vá ao banheiro”.

Manga, abacate, banana, jaca e goiaba – só não comi melancia por que não tinha. Depois, claro, bateu a dor de barriga. (foto: Frédéric Poirot / Flickr / <a href=https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.0>CC BY-NC-ND 2.0</a>)

Manga, abacate, banana, jaca e goiaba – só não comi melancia por que não tinha. Depois, claro, bateu a dor de barriga. (foto: Frédéric Poirot / Flickr / CC BY-NC-ND 2.0)

Não havia sugestão mais bem-vinda. Lá nos tempos da pré-história da minha infância, era proibido ir ao banheiro depois do recreio. Coisa esquisita, apenas mais uma entre tantas outras que vivenciamos durante nossas vidas. Eu podia ter ido sozinho, mas a professora sugeriu: “Carlos, vá com seu amiguinho e ajude-o no que for preciso”.

Saí da sala de imediato e no momento certo. No banheiro, isolado do mundo, lá se foram um café da manhã, um almoço, uma janta, três mangas, dois copos de vitamina de abacate, quatro bananas, oito gomos de jaca, um picolé, duas goiabas e meia barra de chocolate.

Os coprólitos são fezes que se fossilizaram. Eles registram o hábito de vida dos animais, nos informando sobre sua dieta e as relações alimentares na pré-história. (foto: Ismar de Souza Carvalho)

Os coprólitos são fezes que se fossilizaram. Eles registram o hábito de vida dos animais, nos informando sobre sua dieta e as relações alimentares na pré-história. (foto: Ismar de Souza Carvalho)

Uma dor-de-barriga não é nada agradável, mas não há dúvidas de que todos já a tivemos. Imagine, agora, o que não ocorre quando milhões e milhões de animais ao redor do mundo deixam seus excrementos espalhados pela Terra. Certamente alguma coisa ficará preservada nos sedimentos e, posteriormente, se transformará em um registro fóssil. Assim são o bromatólitos, resíduos alimentares preservados por milhões de anos e que nos contam a história da dieta dos animais que viveram em nosso planeta no passado.

Existem muitos tipos de bromatólitos. Quando os resíduos são excretados sob a forma das fezes e se fossilizam, recebem o nome de coprólitos. Se, ao contrário, ficarem preservados dentro do intestino são conhecidos como enterólitos. E há também os regurgitólitos, os vômitos fossilizados. Que nojo! Pelo menos, como são fósseis, não têm cheiro. Além disso, são muito úteis para entendermos as relações alimentares entre os animais e as plantas, o tipo de alimentação dos animais carnívoros e até mesmo as condições de umidade do ambiente em que viviam.

Estas são fezes fósseis de animais herbívoros que viveram há mais de 200 milhões de anos. (foto: Paulo Roberto Souto)

Estas são fezes fósseis de animais herbívoros que viveram há mais de 200 milhões de anos. (foto: Paulo Roberto Souto)

Naquele distante 9 de abril de 1968, ao retornar à sala, Carlos me seguia atônito. Assim que entramos ele foi enfático e direto: “Professora, foi um tal de bummm, prummm, bummm pra tudo quanto é lado. Ele estava era soltando bombinha!”   Mal sabia o meu amigo que, naquele momento ficava meu registro bromatolítico para a história geológica da Terra.

Matéria publicada em 10.07.2015

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Ismar de Souza Carvalho de Souza Carvalho

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