Eram cinco da manhã. O início do dia mormacento, de um janeiro ensolarado, começou agitado. “Rápido, rápido! Arrumem tudo, pois já estamos atrasados”, bradava meu pai. Boia de caminhão, galinha assada no cesto, refrigerantes na caixa de isopor e a inigualável farofa de moela com fígado compunham o arsenal para os que enfrentariam longos quilômetros até a praia mais próxima.
Juntavam-se a nós avós, tios, primos, vizinhos, amigos dos vizinhos e às vezes até mesmo o padre da paróquia. Um domingo de sol, nas férias, era dia esperado e festejado como os dias de aniversários, casamentos e do padroeiro da cidade. Talvez até mesmo mais festejado, pois juntava a alegria das comemorações com o inesperado da viagem.
A possibilidade de estarmos na praia era o momento máximo de nossa liberdade. Normalmente ficávamos em locais distantes, em que as praias ainda se mostravam selvagens. Sem plástico, copinho ou canudinho na areia. Sem barraquinha ou vendedor de picolé. Somente nós, o sal, o sol e o mar. E haja sal, sol e mar!
A poucos metros das ondas, víamos os recifes de coral que dispunham-se paralelos à praia. A água era limpa, quente e tão transparente que parecia ganhar vida, movendo na direção contrária do oscilar das ondas. Por vezes, era gelatinosa e escorregava-se com dificuldade entre nossos dedos.
“São águas-vivas”, alguém gritou. E outra, e mais outra, e muitas, muitas outras.
Águas-vivas pertencem a um grupo de organismos chamados cnidários, que incluem vários tipos de animais. Apesar de as águas-vivas não deixarem fósseis por possuírem o corpo bastante mole, outros cnidários, como os corais, possuem um esqueleto externo formado por minerais que facilitam sua preservação.
Os corais fósseis são conhecidos em rochas com pelo menos 450 milhões de anos, e os fósseis mais antigos são bem diferentes dos corais que habitam os mares atuais. Alguns tinham uma forma de casquinha de sorvete retorcida e, em vez de viverem em colônias, eram solitários e isolados.
Fósseis de corais sempre nos dão uma boa pista para desvendar como era o meio ambiente no passado. Rochas que os possuem indicam que ali havia um ambiente marinho raso, com águas limpas e quentes – como as da praia em que nos divertíamos quando crianças.
Agora, atenção: águas-vivas e corais são quase sempre perigosos. Para se protegerem, liberam substâncias que provocam queimaduras nos locais de contato com nossa pele. No final daquele domingo ensolarado, descobrimos que alguns meninos voltaram para casa queimados não só de sol – eram queimaduras vermelho-fogão! Lembranças das águas-vivas, águas de verão, águas de um tempo tão bão…