Nos finais de tarde, quando brincávamos com os irmãos, primos e amigos da vizinhança, duas coisas eram certas – os passarinhos em revoada e um cheirinho sempre diferente vindo da cozinha. Os que ficavam em nossa casa se reuniam ao redor da mesa e cantavam desafinadamente e com força:
“Não quero galinha ensopada
Não quero arroz, nem anguuuuu…
Todos nós só quereeeeeeemosssssss…
Ensopadinho, ensopadinho de chuchuuuuuuu!”
Sim, ensopadinho de chuchu. Sabe-se lá o porquê, cantávamos que só desejávamos ensopadinho de chuchu. Provavelmente pelo que já sabíamos o que nos esperava: a sopa.
Havia sopas para todos os gostos e desgostos. A mais odiada era a sopa de fubá com agrião – os pedaços de agrião não desciam pela garganta. Já a mais desejada era a de macarrão com letrinhas, pois apostávamos quem conseguia ter o alfabeto inteiro no prato. Havia também sopa de legumes com carne, feijão, abóbora, couve com ovo… Quando pensávamos que a imaginação de nossa mãe havia se esgotado, lá vinha a sopa de pão ou então a sopa de sopa, com as sobras de tudo o que havia na horta e no refrigerador.
As sopas eram tidas como milagrosas para a resolução de todos os males. Dor de barriga? Sopa de macarrão! Resfriado? Lá vinha a temida sopa de fubá com agrião! Fome? Sopa de feijão com macarrão para encher o barrigão! E assim levávamos a vida, sobrevivendo ao que podemos chamar de a Era das Sopas.
Esta é a minha história de infância, mas todos nós, seres vivos, compartilhamos um momento da história da Terra em que as sopas foram fundamentais para o que somos hoje. Após o surgimento de nosso planeta, há 4,5 bilhões de anos, o ambiente por aqui não era nada hospitaleiro, impossibilitando o surgimento da vida. Foram necessárias muitas transformações na atmosfera e nos mares primitivos para que os compostos químicos se combinassem e recombinassem até surgirem os primeiros seres vivos.
A sopa primordial
Nos tempos iniciais de formação da Terra, as temperaturas eram muito elevadas, já que nosso planeta se iniciou como uma grande massa de rocha derretida. Com o passar de milhares e milhares de anos, houve um resfriamento gradual, que tornou possível o surgimento da água no estado líquido e, a partir de então, das muitas reações químicas que ocorriam nos grandes mares rasos e ainda bastante quentes.
Era algo como uma grande sopa. Uma sopa quente, cheia de substâncias químicas que poderiam se combinar e reagir livremente, com uma quantidade enorme de nutrientes capazes de alimentar um batalhão de pequenos organismos. Este momento inicial de origem das condições necessárias para o surgimento da vida é conhecido como a “sopa primordial”, ou seja, um grande caldeirão aquecido e com nutrientes que possibilitariam o surgimento e desenvolvimento da vida. A “sopa primordial” é a sopa que dá o pontapé inicial da origem da vida.
Mas como isso aconteceu, afinal? Na década de 1950, o cientista norte-americano Stanley Miller resolveu fazer um experimento para entender como um monte de compostos químicos pode ter dado origem às primeiras formas de vida.
Ele construiu um aparelho que continha os gases da atmosfera primitiva (vapor d’água, metano, amônia, gás sulfídrico e dióxido de carbono) e que ficava em contínuo aquecimento e recebia descargas elétricas, que seriam como os vulcões e os raios existentes no início da história da Terra. Após algum tempo, Stanley conseguiu obter na mistura formada os aminoácidos, que são a base para tudo o que é vivo.
Se não fosse pela “sopa primordial”, não estaríamos todos aqui. Pode até ser que ela não fosse tão saborosa como a de macarrão com letrinhas que comíamos lá em casa, mas com certeza foi um caldo bastante nutritivo e que possibilitou a existência de tudo o que hoje é vivo em nosso planeta. Assim, um viva às sopas! Por meio delas é houve o desenvolvimento e a transformação da Terra em um planeta único na história de nosso sistema solar.
Ismar de Souza Carvalho
Departamento de Geologia
Universidade Federal do Rio de Janeiro