Em toda a rua, imperava o silêncio, com exceção dos ruídos que vinham da casa de minha avó. Quem se aproximava do portão se assustava ao ouvir, em voz alta:
– Bate. Bate mais! Sem dó. Bate com força. Mais força… Estou dizendo BATE COM FORÇA!
E os barulhos aumentavam. PÁ, PÁ, PÁ, PUM, TÁ.
E assim continuava. Cinco, dez, quinze minutos. Era uma interminável sessão de pancadaria. Até que vovó Dedé dizia:
– Pronto. Já sovamos suficientemente a massa do pão. Agora, vamos cobri-la, fazer um trançado, deixar descansar, e, em seguida, teremos um ótimo pão.
O silêncio voltava a dominar, e, enquanto aguardávamos o assado do pão, minha avó contava suas histórias de cobras gigantes, porcos mal-assombrados e sacis que perambulavam por sua rua. Sempre soube que eram verdadeiros, pois, à noite, com a força da imaginação, víamos a todos em seu quintal, provavelmente atraídos pelo cheiro do pão quente, que era a nossa felicidade no final das tardes de sábado.
O pão e os fósseis
Como vovó Dedé bem sabia, para que o pão cresça e fique macio, é preciso sovar a massa. Ou seja, amassá-la, amassá-la e, vez por outra, batê-la contra a mesa, para que os ingredientes e o fermento se misturem. O problema é a canseira que dá – ainda mais porque nem sempre sovar a massa é suficiente. O resultado? O pão após assado parece um pedaço de pedra. Pior ainda é quando fica muito tempo no forno. Temos, aí, um verdadeiro pão-duro: com uma casca petrificada e sem nada por dentro. Certamente, tem boa chance de se transformar em um fóssil no futuro…
Isso porque, para que animais e plantas se preservem como fósseis, é importante que tenham partes resistentes, como o esqueleto externo dos invertebrados ou os ossos dos vertebrados. O esqueleto é fundamental para aumentarmos a possibilidade de preservação. Mas diga lá: será preciso morrer e ser soterrado para deixá-lo fossilizado?
Às vezes, não. É o que acontece com os artrópodes: os animais invertebrados que se dividem em insetos, crustáceos e aracnídeos. Quando crescem, eles têm de mudar a sua carapaça externa – o que chamamos de ecdise ou muda. Esta carapaça abandonada tem grandes chances de se preservar, pois é rígida e geralmente formada por substâncias minerais que suportam o soterramento. Por vezes, como no caso de artrópodes já extintos conhecidos como trilobitas, as carapaças são destruídas durante o soterramento. Porém, há a preservação de sua forma externa, com os detalhes do corpo moldados nos sedimentos que a soterraram. Trata-se do processo que chamamos de moldagem.
Quando morrem, no entanto, os trilobitas têm, além de seu esqueleto externo, várias partes que não são tão duras, como as patas, os olhos e as antenas. Elas são mais difíceis de serem conservadas, pois, para tanto, é preciso que os sedimentos que as envolvam sejam tão finos quanto uma massa de pão. É preciso também que, durante o soterramento, a temperatura do interior da Terra não seja muito alta, evitando assim que as delicadas partes do corpo desses seres do passado sejam destruídas. Ou seja, tudo tem de ser adequado, para que não venha a se transformar em um pão-duro, sem nenhum detalhe em sua superfície e que, em vez de miolo, só tenha um buraco vazio!
Preparar o pão nos ensina um fato importante que ocorre nos processos de fossilização. É difícil ficar bom quando não misturamos os ingredientes corretos, não aguardamos o tempo adequado e erramos na temperatura do forno. Porém, a descoberta de um trilobita, que viveu há centenas de milhões de anos, com detalhes delicados, tais como seus olhos e antenas, nos fará lembrar das emoções sentidas a partir do cheiro do pão recém-assado, que escapava do forno das casas de nossas avós.
Ismar de Souza Carvalho
Departamento de Geologia
Universidade Federal do Rio de Janeiro