Nestes últimos meses, com a pandemia, a família toda tem passando muitas horas na frente das telas de celulares, televisões, tablets ou computadores. E, diferentemente do que acontece em uma situação normal, confesso que fiquei aliviado e feliz quando certa noite faltou luz na minha casa. Acendemos velas, contamos histórias, olhamos para as estrelas e inventamos uma nova brincadeira: a brincadeira da sombra perfeita.
A brincadeira é assim: você arranja dois retângulos de papel idênticos, pega um deles e dobra pela metade para formar um retângulo menor. O outro retângulo você coloca no chão. Aí você pega uma lanterna, coloca ela acima da folha dobrada. Depois, você tenta regular a altura da lanterna e dessa folha para que a sua sombra encaixe perfeitamente na folha não dobrada que ficou no chão. Pequeno detalhe: a folha dobrada não pode ficar inclinada, ela tem que ficar horizontal. Caso você consiga esse encaixe, meus parabéns, você terá encontrado a sombra perfeita!
As figuras vão ajudar você a entender melhor como funciona essa brincadeira. Repare que se a altura da folha está fixa, então o tamanho da sombra depende da altura da lanterna.
Bem, lá em casa alguém falou que a sombra perfeita apareceria se os retângulos fossem quadrados, pois eles parecem ser especiais dentro do mundo dos retângulos. Infelizmente, essa primeira ideia não deu certo.
Então, com a ajuda de uma régua e tesoura recortamos vários retângulos diferentes para tentar vencer o desafio. Apesar do nosso esforço, nenhum deles gerava a tal sombra perfeita. Até que a minha filha, que estava toda preguiçosa no balanço da rede e olhando para o céu, falou:
– Por que vocês simplesmente tentam não “fazer nada”?
E o meu filho respondeu:
– Como assim? Você nem está ajudando… é você que está fazendo nada! E, como vamos achar a sombra perfeita… fazendo nada? É claro que temos que fazer alguma coisa!
Só alguns segundos depois é que conseguimos entender a ideia dela. Acontece que estávamos recortando os retângulos a partir de folhas de tamanho A4, que são as mais comuns nos dias de hoje. O que ela quis dizer é que poderíamos simplesmente pegar duas folhas A4 e, sem fazer nada, considerá-las como os nossos dois retângulos idênticos.
E, para o nosso espanto, quando usamos a lanterna e a altura certa, a sombra da folha A4 dobrada ao meio se encaixou exatamente na folha não dobrada que estava no chão! Assim, a partir daquela noite, lá em casa as folhas A4 passaram a ser chamadas folhas das sombras perfeitas.
Se você tiver folhas de papel, um lugar escuro e uma lanterna, pode fazer essa brincadeira em casa. E, para terminar, deixo também uma perguntinha: será que, além da folha A4, existem outros retângulos que geram a sombra perfeita?
Pedro Roitman,
Instituto de Matemática,
Universidade de Brasília
Sou carioca e nasci no ano do tricampeonato mundial de futebol – para quem é muito jovem, isso aconteceu em 1970, século passado! Enquanto fazia o curso de Física na universidade, fui encantado pela Matemática. Hoje sou professor.
Matéria publicada em 20.10.2020