No final da tarde, depois da escola, quase sempre ocorria uma guerra entre os meninos da rua da Jaqueira e os da vila do Sapo. Os líderes da batalha, Coquinho-de-Catarro e Babão, capitaneavam, na esquina do bar do seu Zeca, uma disputa territorial que já durava anos: a guerra do cuspe.
Numa linha traçada no chão, com giz surrupiado do quadro-negro da escola, dividiam-se as duas hordas de guerreiros. A briga era simples: Coquinho-de-Catarro se aproximava da linha demarcada de seu território e cuspia em direção a seu grupo rival. Era nojento!
Como seu apelido já dizia, cada cusparada parecia a massa amarelada dos coquinhos-de-catarro que existiam nos morros ao redor de nosso bairro e acertava sempre alguém em cheio. Nessas horas, eu só pensava na quantidade de bactérias que por ali viajavam na velocidade da luz.
Não menos perigoso era Babão. Ele babava quando falava, comia, andava e respirava. Era respeitadíssimo pelos adversários. Quando menos se esperava, zapttt lapft: acertava cinco ou seis de uma única vez. E eu só pensava nas bactérias!
Essa verdadeira guerra bacteriológica não tinha vencedores. Quem saía ganhando mesmo eram as bactérias, que se proliferavam por todos os cantos – algo parecido com os primórdios da vida na Terra, quando elas eram soberanas.
Não era nada fácil para os primeiros seres vivos morar aqui. Muito calor, como o encontrado nas crateras dos vulcões, ou então muito frio, capaz de congelar tudo o que estivesse por perto. Faltava o oxigênio na atmosfera, e eram comuns os gases tóxicos, como o gás sulfídrico e o dióxido de carbono, que são mortais para a maioria dos seres vivos.
Esse mundo de extremos era habitado por extremófilas, bactérias que suportavam condições nas quais nenhum outro ser vivo resistiria. Elas ainda hoje existem e podem sobreviver em ambientes como salmouras, águas congeladas, águas quentes em regiões vulcânicas ou até mesmo a milhares de metros de profundidade nos poros das rochas.
As bactérias extremófilas estão entre as formas de vida mais primitivas e mais resistentes de nosso planeta. São também conhecidas como arqueobactérias ou “bactérias do passado”. Agora sei que os meninos da rua da Jaqueira e da vila do Sapo foram seus descendentes diretos: todos nós sobrevivemos às adversidades do mundo passado, resistindo bravamente aos extremos do tempo presente.