Dona Hemengarda e a guerra dos palavrões

Hemengarda Felisberta Dioclesiana Altiva da Conceição: esta era minha professora mais temida. Em primeiro lugar, porque tínhamos que lembrar seu nome completo para os cabeçalhos dos exercícios. Em segundo, porque ela gritava a cada erro cometido, batendo com uma vara enorme sobre a mesa. A temida dona Hemengarda, professora de português do sexto ano, conhecia todos os alunos por nome, sobrenome e, pior!, fraquezas.

Alunos e professora em sala de aula

Com dona Hemengarda não havia chance. Quem não sabia o pretérito perfeito, o imperfeito e o mais-que-perfeito tinha pelo menos uma certeza: seu futuro seria o sexto ano novamente (Foto: Steve Spinks / Flickr / CC BY-SA 2.0)

“Joaquim, de pé! Vou perguntar apenas uma vez: terceira pessoa do plural do pretérito imperfeito do verbo ver…” Joaquim tremia, tremia, e o resto da turma rezava baixinho para não ser o próximo.

“Joaquim Alencar de Castro Barbosa. Vou ser generosa e perguntar mais uma vez: qual a terceira pessoa do plural do pretérito imperfeito do verbo ver?” O pobre coitado do Joaquim balbuciava “ve…ve…ver…” E lá ia a vara de dona Hemengarda. Pssss… vapt, batia sobre a mesa.

“Bando de energúmenos, néscios, obtusos, mentecaptos… Irei acoimar a todos”. Essas e outras palavras estranhas eram proferidas por dona Hemengarda – outra de suas características: falava coisas incompreensíveis, numa profusão e diversidade, e às vezes seu discurso parecia uma guerra de palavrões.

Inseto fossilizado

O lagerstätten de Messel, na Alemanha, é um dos depósitos fossilíferos mais importantes de todo o mundo. Lá, já foram encontrados mais de 40 mil fósseis, como este de um inseto, que ainda preserva suas cores originais (Foto: Wikimedia Commons)

As palavras esquisitas, porém, não são exclusividade de minha professora da infância. Muitas vezes, as palavras científicas também se assemelham a palavrões. Por exemplo, na paleontologia, uma das que mais gosto é lagerstätten.

Já tentou repeti-la? Para a pronúncia correta, faça o seguinte: coloque um ovo cozido bem quente na boca e em seguida diga: “large o Tatá”. Pronto, você já estará falando como dona Hemengarda!

Os lagerstätten são depósitos onde ocorrem fósseis em abundância, diversificados e com uma excepcional qualidade de preservação. Há apenas alguns deles em todo o mundo, com idades bastantes variadas – por vezes com mais de 600 milhões de anos, como é o caso do lagerstätten de Doushantuo, na China; outras, “apenas” 47 milhões de anos, como o de Messel, na Alemanha, no qual já foram descobertos fósseis de mais de 30 famílias de invertebrados, 31 de répteis, 8 de peixes, 5 de anfíbios, 50 de aves e 109 de plantas.

No Brasil, nosso depósito fossilífero mais importante é o do Araripe, região localizada no interior dos estados do Ceará e de Pernambuco. No solo calcáreo do local – formado por rochas muito finas compostas de carbonato de cálcio –, os fósseis têm condições de preservação inigualáveis.

Folhas fósseis

No lagerstätten do Araripe, no nordeste do Brasil, estão alguns dos fósseis que apresentam as melhores condições de preservação do mundo. Veja, por exemplo, estas folhas fósseis com 100 milhões de anos (Fotos: Ismar de Souza Carvalho)

Insetos com detalhes de suas asas, peixes com restos de alimentos ainda preservados no estômago, minúsculas plumas que podem ter pertencido a dinossauros e vegetais com detalhes das microscópicas células que compunham a superfície de suas folhas são alguns dos exemplos do que encontramos por lá. E olha que tudo isso está preservado há mais de 100 milhões de anos!

Encontrar um lagerstätten é tão difícil como pronunciar esta palavra. Mas a busca por essas raridades vale a pena: elas representam uma inigualável janela para o conhecimento da história da vida na Terra.