Quando as serpentes tinham patas

Quando alguém fala em cobra, a gente logo imagina um bicho comprido, cheio de escamas e sem pernas. Mas, e se eu te contar que pesquisadores descobriram um fóssil de serpente aqui do Brasil – mais especificamente na região do Crato, no Ceará – com quatro patas?

As serpentes (1) são um grupo particular de lagartos sem membros locomotores, mas não são as únicas. As anfisbenas (2), as cobras-de-vidro (3) e alguns outros calanguinhos (4) também são lagartos que perderam os membros total ou parcialmente ao longo da evolução. (fotos: Henrique C. Costa [1–3] e Wikipedia [4])

As serpentes (1) são um grupo particular de lagartos sem membros locomotores, mas não são as únicas. As anfisbenas (2), as cobras-de-vidro (3) e alguns outros calanguinhos (4) também são lagartos que perderam os membros total ou parcialmente ao longo da evolução. (fotos: Henrique C. Costa [1–3] e Wikipedia [4])

As serpentes nada mais são do que um grupo de lagartos que perdeu os membros com o passar de milhões de anos de evolução. Aliás, elas não foram os únicos lagartos que passaram por isso. As anfisbenas, as cobras-de-vidro e outros tipos de calangos possuem os membros muitos reduzidos ou mesmo ausentes. Contudo, não são, tecnicamente, serpentes.

Para entrar para o time das verdadeiras serpentes, um animal precisa cumprir alguns requisitos. Basicamente, deve possuir algumas características particulares dos ossos do crânio que só as serpentes possuem. Além disso, só as serpentes têm mais de 120 vértebras pré-caudais – aquelas que não fazem parte da cauda.

Uma das características exclusivas de todas as serpentes é a presença de mais de 120 vértebras pré-caudais. Você se arrisca a contar quantas vértebras esse esqueleto de jararacuçu tem? (foto: Henrique C. Costa)

Uma das características exclusivas de todas as serpentes é a presença de mais de 120 vértebras pré-caudais. Você se arrisca a contar quantas vértebras esse esqueleto de jararacuçu tem? (foto: Henrique C. Costa)

O novo fóssil, chamado Tetrapodophis amplectus, tem tudo isso e ainda mais. Mas a parte mais intrigante da história é que essa serpente pré-histórica também tinha quatro patas com cinco dedos em cada uma! Cientistas já encontraram mundo afora alguns fósseis de serpentes com membros posteriores, mas esta é a primeira vez que uma serpente com “braços” é descoberta.

(i)Tetrapodophis amplectus(/i) foi o nome dado ao fóssil de serpente que viveu há mais de 100 milhões de anos onde hoje fica o Ceará. Em grego, (i)Tetrapodophis(/i) significa “serpente de quatro patas”. A parte anterior do corpo do fóssil está enrolada, o que sugere que esta serpente tinha a capacidade de se enrolar em volta das presas, como fazem algumas espécies de hoje, como as sucuris e cobras-cipó. Vem daí o nome (i)amplectus(/i), do latim “que abraça”. (fotos: Dave Martill / University of Portsmouth / (a href=http://www.sciencemag.org/content/349/6246/416.figures-only)Science(/a))

(i)Tetrapodophis amplectus(/i) foi o nome dado ao fóssil de serpente que viveu há mais de 100 milhões de anos onde hoje fica o Ceará. Em grego, (i)Tetrapodophis(/i) significa “serpente de quatro patas”. A parte anterior do corpo do fóssil está enrolada, o que sugere que esta serpente tinha a capacidade de se enrolar em volta das presas, como fazem algumas espécies de hoje, como as sucuris e cobras-cipó. Vem daí o nome (i)amplectus(/i), do latim “que abraça”. (fotos: Dave Martill / University of Portsmouth / (a href=http://www.sciencemag.org/content/349/6246/416.figures-only)Science(/a))

A Tetrapodophis nos ajuda a entender melhor como as serpentes surgiram. Ao comparar os ossos do crânio dos fósseis mais antigos de serpentes com os das espécies que vivem hoje, temos fortes indícios de que elas descendem de um grupo de lagartos que passou a viver em tocas e no subsolo.

Reconstrução artística de duas serpentes que viveram entre 90 e 100 milhões de anos atrás, e cujos fósseis possuíam dois membros posteriores, mas nenhum anterior. À esquerda, (i)Najash rionegrina(/i), da Argentina; à direita, (i)Pachyrhachis problematicus(/i), serpente marinha que viveu onde hoje fica Israel. (imagens: Jorge Gonzalez e (a href=http://www.karencarr.com/larger.php?CID=309)Karen Carr(/a))

Reconstrução artística de duas serpentes que viveram entre 90 e 100 milhões de anos atrás, cujos fósseis possuíam dois membros posteriores, mas nenhum anterior. À esquerda, (i)Najash rionegrina(/i), da Argentina; à direita, (i)Pachyrhachis problematicus(/i), serpente marinha que viveu na região onde hoje fica Israel. (imagens: Jorge Gonzalez e (a href=http://www.karencarr.com/larger.php?CID=309)Karen Carr(/a))

Com o passar do tempo evolutivo e uma adaptação ao ambiente em que viviam, os descendentes desses lagartos ficaram com o corpo cada vez mais comprido e os membros mais curtos – e se tornaram serpentes da forma como as classificamos hoje. Após mais alguns milhares (ou milhões) de anos, os braços, e depois as pernas das serpentes deixaram de se desenvolver.

As jiboias são serpentes atuais que possuem vestígios de pernas na forma de uma pequena espora – incluindo ossos como o fêmur – perto da cloaca. (foto: Henrique C. Costa)

As jiboias são serpentes atuais que possuem vestígios de pernas na forma de uma pequena espora – incluindo ossos como o fêmur – perto da cloaca. (foto: Henrique C. Costa)

Hoje, existem mais de 3 mil espécies de serpentes no mundo, quase 400 no Brasil. Mas, nenhuma possui pernas, muito menos braços, como a Tetrapodophis. No máximo, algumas espécies, como a jiboia, possuem uma pequena garra perto da cloaca – um vestígio de um tempo antigo, de quando os dinossauros ainda caminhavam sobre a Terra e as serpentes tinham quatro patas.