O príncipe e o ferreiro

No ano de 1808, a corte real portuguesa se mudou de mala e cuia para o Brasil, sua principal colônia. Pouco depois de chegar aqui, o príncipe-regente (e futuro rei) Dom João VI permitiu que navios de nações amigas de Portugal desembarcassem no Brasil, o que antes era proibido.

A partir daí, pesquisadores de diversos países vieram estudar nossa biodiversidade. Um dos mais famosos foi Maximilian Alexander Philipp, príncipe de Wied-Neuwied, uma pequena região que hoje faz parte da Alemanha. Maximilian chegou ao Brasil em 1815 e percorreu, com mais de dez homens, a Mata Atlântica do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Bahia, além do sertão baiano na divisa com Minas Gerais, tendo regressado à Europa em 1817.

O sapo-ferreiro pode atingir até 10 centímetros de comprimento, e ocorre do nordeste ao sul do Brasil, além de na Argentina e no Paraguai, habitando principalmente brejos da Mata Atlântica (Foto: Henrique C. Costa)

No final de 1815, enquanto viajava pelo Espírito Santo, Maximilian escreveu: “Próximo das habitações, descobri um pequeno charco, onde, pelo crepúsculo, ouvi, espantado, o notável coaxar de uma rã até então desconhecida para mim: soava exatamente como o martelo do funileiro ou do caldeireiro; apenas o som era mais profundo e cheio. Só muito depois conheci melhor esse animal que os portugueses apelidam de ‘ferreiro’ devido ao coaxar”.

O príncipe conseguiu capturar um exemplar deste anfíbio em 1817, na Bahia, e percebeu que se tratava de uma nova espécie do gênero Hyla, a qual batizou de Hyla faber, em referência ao seu coaxo, que lembra o som de marteladas – em latim, faber significa “operário”. Popularmente, esta espécie é conhecida por vários nomes, como “sapo-martelo”, “rã-martelo” e “sapo-ferreiro”.

Maximilian era um príncipe aventureiro, que, aos 32 anos, chegou ao Brasil disposto a estudar nossa biodiversidade. Cerca de 100 espécies de animais conhecidas hoje pelos cientistas – entre mamíferos, aves, répteis e anfíbios –, foram batizadas pelo príncipe. Além disso, muitas espécies foram nomeadas por outros pesquisadores em sua homenagem (Ilustração: Johann Heinrich Richter)

Mudança de nome
Durante muito tempo, centenas de espécies de anfíbios faziam parte do gênero Hyla, cujo nome é uma homenagem a Hylas, um herói da mitologia grega. Mas, em 2005, após um grande estudo sobre esses animais, o nome Hyla passou a ser usado para identificar apenas cerca de trinta espécies. Todas as outras receberam novos nomes de gênero, cada um agrupando espécies mais aparentadas entre si. Assim, o sapo-ferreiro deixou de ser chamado de Hyla faber e, desde então, é conhecido como Hypsiboas faber. E o novo nome caiu bem: em grego, Hypsiboas quer dizer “o que grita alto”, pois o canto dessas espécies pode ser ouvido de longe.

Agora que você conheceu a história do príncipe Maximilian e do sapo-ferreiro, que tal ouvir o coaxo desta espécie? Será que lembra mesmo o som de uma martelada? Escute aqui e tire suas próprias conclusões!

Sapo, rã ou perereca?

Geralmente, chamamos de “pererecas” os anfíbios que possuem ventosas adesivas nas pontas dos dedos. Os que não têm ventosas costumam ser chamados de “sapos” quando possuem a pele seca e rugosa, e de “rãs” quando têm a pele lisa. Seguindo esta linha de pensamento, o sapo-martelo é, na verdade, uma perereca! Parece confuso, porque uma mesma espécie pode ser chamada de “perereca”, “rã” ou “sapo” por diferentes pessoas ou regiões. É por essas e outras que o nome científico é importante!

Matéria publicada em 04.11.2011

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Henrique Caldeira Costa

Curioso desde criança, Henrique tem um interesse especial em pesquisar a história por trás dos nomes científicos dos animais, que partilha com a gente na coluna O nome dos bichos

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